A insegurança e os discursos
1. Há certas matérias que se situam na fronteira do “dever”. A insegurança é uma delas. As “coisas” sociais deveriam de estar de tal forma organizadas que, sobre a segurança, não fizesse sentido o discurso mas sim a acção. Nem o discurso de uns a ocultar a crescente insegurança nas ruas portuguesas, nem a palavra estratégica de outros a fazer “render o peixe” como populismo discursivo. Nada disto, nenhuma destas posições; sobre a insegurança (da ruas do dia e da noite a todas as auto-estradas da comunicação) venha o alargado pacto de regime, de tal maneira estruturado que garantisse a capacitação flexível e eficaz, tanto para o dia-a-dia como para circunstâncias mais complexas e épocas mais delicadas.
2. Noutras como nesta matéria tão sensível à vida diária, tantas vezes, sentimos um “gastar de tempo” no discurso parlamentar, em que, qual “eterno retorno”, os que criticam de lá vêm ou para lá vão… E também muitas vezes verifica-se que queremos combater a insegurança que permitimos ou mesmo fomentamos. Em Portugal, à semelhança de outros países chamados de desenvolvidos (isto para além daquilo que será o justo e saudável entretenimento), há toda uma rede de indústria da noite que estraga, chocantemente, todo o esforço de educação, progresso e justiça pelos quais se luta durante o dia. Um dramático paradoxo que vai crescendo e que compromete as múltiplas boas intenções de uma sociedade mais equilibrada. (Um “passo” da noite estraga anos do dia!)
3. Da insegurança, sem alarmismos mas sem facilitismos, a palavra de ordem terá de ser um realismo comprometido, pois, credível pelo sentido de unidade no ideal que se pretende como sociedade de todos. Esta credibilidade, no terreno sempre enobrecedor quanto pantanoso das subjectivas liberdades humanas, parece comprometida quando as mesmas leis que procuram a justiça são as mesmas que favorecem estruturas nocturnas que, verdade se diga, a partir de certas horas já (quase) tudo será possível (?). Dessas “portas” abertas depois, só vendo à-posteriori, queixamo-nos das consequências. De todos estes dramas das inseguranças que fazem notícia, o “segredo” está no antes, nas causas, na origem.
4. Sem alarmismos nem facilitismos (novamente dizemos este refrão), há dias, alguém da área de apoio às pessoas sem-abrigo de Lisboa, dizia que outros países europeus, que já passaram pelo processo que hoje nós vivemos, nas suas ruas acolhem pessoas da mais alta sociedade (como ex-juízes, professores, licenciados sem trabalho), para quem a vida foi caindo dia-a-dia, noite-a-noite, até à rua fria da solidão. Mais (fruto de estudos europeus), dizia que quem na juventude se vicia no álcool, garantirá uma percentagem de futuros sem-abrigo. Tudo sem alarmismo, só com um pouco de realismo. Se é certo que haverá sempre que respeitar a liberdade pessoal de todos os consumos… mas quando estes desdignificam a pessoa, que fazer? Eis a questão que nos faz viver a fronteira, mas à qual a indústria da noite e do vício é o passo para o precipício. (É evidente que nada disto tem a ver com o “beber-um-copo”!) É outro preocupante, permissivo e laxista sub-mundo que está em causa. (A noite anda a dar cabo do dia…!)
Alexandre Cruz [11.12.07]
[imagem rua durante a noite] fonte: http://www.lpmcom.pt/
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