terça-feira, setembro 30, 2008

[30.IX.08] O FIO DO TEMPO

A consolidação do ser cultural

1. Talvez nunca como hoje as mobilidades desinstalam aquilo que se julgavam ser os públicos e as práticas garantidas. Os vários níveis, pessoais e institucionais, de pertença são desafiados à renovação contínua, sem que com isso se perca aquilo que pode ser «a “ponta” por onde se lhe pegue». É uma virtude imensa a vasta rede de solicitações, das reais às virtuais; mas, tantas vezes, com pena, sente-se o perder de ponte com as memórias essenciais... A coragem da adaptação aos novos cenários, da autocrítica como quem procura antever o futuro, a mudança renovadora como atitude contínua, serão alguns dos ingredientes capazes de unir no presente a memória da história ao desejado futuro humano cultural.

2. Toda a gama mais variada de instituições comunitárias debatem-se com esta problemática. No início de cada ano projecta-se e inscreve-se como objectivo um maior investimento nas redes de relacionamentos (família, escola, sociedade, trabalho), procurando uma maior pertença e participação. Na decorrência das profundas avaliações realizadas, erguem-se propósitos que quererão consolidar as ideias e as práticas de que somos seres culturais e que sem «cultura» activa e participativa acabamos até por ficar a anos-luz do melhor lema de vida, esse que conduziu os grande sábios que nos ajudam a pensar. Da ampla abrangência a ponto de quase-tudo ser cultura, valerá a pena o esforço de focalizar-se em algo que, ainda que não esteja da moda, seja enriquecedor e fortalecedor das raízes que darão fruto comunitário.

3. Se há sector que, no fundo, não deveria sofrer qualquer crise financeira deveria de ser a proposta cultural. Porque esta pode ajudar à redescoberta de soluções viáveis e representa o investimento mais significativo, mesmo em educação, para sermos comunidade que aprecia e valoriza o património que temos, para mais nos estimarmos e engrandecermos no património que SOMOS. Está nas mãos de todos?!

[
Alexandre Cruz] imagem

quarta-feira, setembro 24, 2008

[23.IX.08] O FIO DO TEMPO

Nas raízes da inovação

1. Como tantas outras, «inovação» pode ser palavra gasta. Há mesmo já quem diga inovar a inovação. Para além dos malabarismos da linguagem, importa aprofundar a atitude inspiradora. No contexto do início de ano escolar, esta capacidade de sermos parte das soluções merecerá nota de louvor. Este ano a Lição de Abertura da Sessão Solene da abertura do Ano Académico da UA contou com a presença do Presidente Executivo da Portugal Telecom SGPS, SA, Eng. Zeinal Bava. A temática da comunicação era: «A inovação como chave do sucesso». Podendo ser hoje esta uma temática de lugar-comum, valerá a pena, acima de outros aspectos e mesmo dos naturais prós-e-contras que existem em tudo, destacar duas ideias fundamentais.

2. Quando Zeinal sublinha que «uma equipa é sempre mais inteligente que uma pessoa sozinha» acentua uma tecla essencial que tem sido um dos parentes pobres da mentalidade portuguesa. Ao destacar que, mais que os mecanismos de retorno da satisfação do consumidor, o ideal será que este tome parte da solução inovadora a encontrar, representa uma sintonia empática de inteira correspondência entre o que se oferece e o que se procura. Muito acima dos patamares meramente comerciais, vale a pena destacar as potencialidades criadoras do trabalho em grupo, pois até é bem mais fácil uma pessoa escrever um livro sozinha do que gerar um trabalho de plataforma em «rede» entre diversas áreas e saberes. Também as noções de retorno, auscultação, como processo criador merecem mais atenção…

3. Claro que tudo é aprendizagem, mesmo a inovação. Esta não cai do céu, precisa mesmo da capacidade de «arriscar» para acertar. Também este é um processo de sabedoria tão importante. Porque não criar-se mais hábitos de gente de diferentes áreas e estruturas sentarem-se à mesma mesa? Seria surpreendente!

[Alexandre Cruz] imagem: pt inovação

segunda-feira, setembro 22, 2008

[22.IX.08] O FIO DO TEMPO

O tempo do regresso

1. O retomar das actividades impele-nos ao reerguer de projectos. Nos cenários de um surpreendente mundo em convulsão transformadora, e em que não podemos fugir dele mas actuar renovados nele, o estabelecer de objectivos ambiciosos que consigam gerar pontes de cooperação na busca de soluções é, hoje, uma claro sinal da necessária e inspirada procura revitalizadora. O mundo está como os humanos o fazem. E diante dele sempre houve, pelo menos, duas tentações: a cómoda “fuga ao mundo” típica de quem julga ter adquirido já a verdade plena, como se ela não existisse para o aperfeiçoamento comunitário; ou o diluir-se de tal modo no mundo perdendo a força crítica, afogando-se no conformismo, no deixar andar, no não vale a pena.
2. O retomar dos vários níveis de actividade, como a função educativa do aprender escolar, a missão política de servir o bem-comum, as propostas de sentido de vida das igrejas, os projectos de concertação social, humanitária e cultural, os novos programas das grelhas televisivas, os futebóis, as músicas, os espaços comunitários, tudo o que se move e pode mobilizar para uma sociedade melhor, especialmente em tempos de apregoada crise, em todos os recantos teria sentido fazer aquela “pausa” que pode gerar objectivos nobres em ordem a sermos, pelo menos, melhor Humanidade. Tudo porque a sabedoria e a bondade educativa que dessa pausa provém também pode ser antídoto inspirador para tantos dos males sociais.
3. Após a pausa veraneante, chegado o Outono, retomamos. É o sexto ano, agora com outro nome: «o fio do tempo». Depois de alguns anos com «Universalidades» e o ano passado com a «Linha da Utopia», agora avançamos sobre «o fio do tempo». Não o metereológico! Mas sobre os sinais do tempo actual. Único, todos actuamos nele!

Alexandre Cruz 22.09.2008

(nota: Saúdo com alegria o regresso à análise da sociedade e do mundo por parte do meu amigo Alexandre Cruz, um olhar interessante e sempre atento.)

quinta-feira, setembro 11, 2008

As férias já eram ...

Amig@s após a minha ausência, mais do que natural, para férias volto com um artigo escrito por um dos blogues que mais aprecio, o do jornalista Miguel Marujo. A sua maneira de escrever e de pensar revela-se muito inteligente, indo na sua maioria das vezes ao encontro daquilo que penso sobre o mundo e a sociedade portuguesa.
Sinceramente, apreciei muito este seu texto e daí ter escolhido como post de "reentré".
Leia-no e comentem se acharem que vale a pena.
Enfim, coisas da vida ...


Os vencidos do catolicismo

A expressão para este post prometido tomo-a de João Bénard da Costa, que algures nos anos 90 contou no Independente (e depois em livro) o desencanto com a Igreja do seu tempo que o levou a sair, vencido. Hoje, lendo muitas das suas crónicas de viagem e de cinema redescobrimos partículas de Deus, que parecem ganhar ao Bénard que saiu vencido pela instituição.

Hoje, haverá quem se afaste e saia por motivos semelhantes (não escrevo iguais: as épocas, o contexto, são outros). Porque não gosta do que se diz sobre a moral sexual, sobre os divórcios, sobre o aborto ou a participação política. Sobre isto e aquilo. Também há mesquinhez deste mundo. Por causa do padre que não deixa fazer o bailarico ou porque mete dinheiro ao bolso. Por causa do bispo que não vem à paróquia há meses. Eu, por mim, aqui vou despejando mais as minhas fúrias que alegrias. Mea culpa. Mas as fúrias metem-me mais a pensar, as alegrias preferem-se vividas (em tempos de MCE falávamos da importância das pequenas grandes coisas, aquele trabalho discreto que não se alardeia, o gesto que se tem sem pedir recompensa...).

Quando
escrevi uma dessas fúrias, houve quem lesse ali sinal de uma estóica resistência ou, eventualmente, palerma teimosia em permanecer. Tenho amigos, católicos, que acham que quero vincular a Igreja a este tempo e a este mundo, e que não pode, ser porque estas coisas (dos divórcios, uniões de facto, aborto, ordenação de mulheres,... e esta misturada faz-me azia, por serem coisas tão diferentes, cheias de cinzentos, nada a preto e branco) são conjunturais e a Igreja move-se à velocidade de 2000 anos, necessariamente lenta, até imóvel, mesmo que esqueçam (eles) que houve Vaticano II - e não as minhas ideias pequenas.

Do outro lado, há uma preocupação de muitos não crentes e ateus (veja-se o
Diário Ateísta, que é mais um blogue anticatólico/cristão/religioso, e que prefere o insulto à discussão, do que de defesa do ateísmo) pelas coisas eclesiais, que chega a raiar o absurdo, quando se põem a discutir o documento vaticano sobre a forma como celebramos a Eucaristia: se um católico escrevesse todos os dias sobre o modo como se organiza o PCP ou a Associação República e Laicidade, apontando-lhes maneirismos, anacronismos ou o apoio a ditaduras, inquisições dos tempos modernos, que responderiam eles?... Mandavam-nos para a sacristia.

Outros ainda pensam,
como Joana Lopes, que por causa das minhas fúrias estarei em rota de colisão: «(...) se optarem um dia por sair, façam-no devagar, sem bater de portas e vão ver que não custa assim tanto. Mas se decidirem ir ficando, então coragem – só isso. Não me apetece discutir assim: custaria muito sair, porque a minha pertença à Igreja não é posta em causa pelos padres tontos ou de bispos menos razoáveis. Nós somos Igreja, tanto como o patriarca ou o Papa, como o João César das Neves ou o João Seabra. Dizia um amigo, perante o elogio exterior, "mas vocês são católicos progressistas", terrível ideia, que "não, nós somos da mesma Igreja do cardeal ou dos que se ajoelham em Fátima". Mas a minha fé, esta fé, vive-se de modo diverso, vive-se no instante que é sentirmo-nos próximos do abismo na basílica de Assis ou na Capela Sistina. Aí, ou nos Picos da Europa ou no pôr-do-sol de Inhambane, ou na hora da morte estúpida e inesperada de um amigo. Não são os pecados da Igreja que me fazem correr dela, cansar dela, fazem-me antes querer continuar a pôr em cada coisa que faço solenidade e risco, como escreveu Sophia.

A coragem em ficar é tão grande como a dos que andam fora. Apetece dizer. Hoje, quando nos dizemos católicos, parece que nos aturam enquanto batemos também nos bispos, em Roma ou na beata. Não passa por isto a minha fé. Não sou um vencido, mas também não entendo que se diga, que se
escreva, «há, em Portugal, muito mais intolerância e fundamentalismo religioso activo do que talvez se pense». Os exemplos são os do costume, mas também há dados novos: «Mas esse fundamentalismo obscurantista, e o intolerável moralismo que lhe está sempre associado, existe e aparece agora muitas vezes sob a capa de associações e ONG's beneficentes. Continua a minar este país, o profundo e o urbano, com grandes danos e muitas consequências.» Não percebo se se fala da tremenda acção social da Igreja, que em alguns casos, demasiados casos, está onde o Estado português nunca esteve.

Mas menos entendo o uso de palavras como "fundamentalismo obscurantista". É, para mim, tão obscurantista os fundamentalismos trauliteiros de muitos católicos desta praça como agora achar que os ateus detêm a verdade e só eles viram a luz, numa evangelização fundamentalista do espaço público, do País, em que no fundo querem acabar com os católicos, os crentes. No fundo: acabar com a diferença, com quem pensa e vive de modo diverso. Sem tolerância.

artigo de Miguel Marujo em Cibertúlia
imagem fonte: Agência Ecclesia - João Bénard da Costa
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