quinta-feira, setembro 11, 2008

As férias já eram ...

Amig@s após a minha ausência, mais do que natural, para férias volto com um artigo escrito por um dos blogues que mais aprecio, o do jornalista Miguel Marujo. A sua maneira de escrever e de pensar revela-se muito inteligente, indo na sua maioria das vezes ao encontro daquilo que penso sobre o mundo e a sociedade portuguesa.
Sinceramente, apreciei muito este seu texto e daí ter escolhido como post de "reentré".
Leia-no e comentem se acharem que vale a pena.
Enfim, coisas da vida ...


Os vencidos do catolicismo

A expressão para este post prometido tomo-a de João Bénard da Costa, que algures nos anos 90 contou no Independente (e depois em livro) o desencanto com a Igreja do seu tempo que o levou a sair, vencido. Hoje, lendo muitas das suas crónicas de viagem e de cinema redescobrimos partículas de Deus, que parecem ganhar ao Bénard que saiu vencido pela instituição.

Hoje, haverá quem se afaste e saia por motivos semelhantes (não escrevo iguais: as épocas, o contexto, são outros). Porque não gosta do que se diz sobre a moral sexual, sobre os divórcios, sobre o aborto ou a participação política. Sobre isto e aquilo. Também há mesquinhez deste mundo. Por causa do padre que não deixa fazer o bailarico ou porque mete dinheiro ao bolso. Por causa do bispo que não vem à paróquia há meses. Eu, por mim, aqui vou despejando mais as minhas fúrias que alegrias. Mea culpa. Mas as fúrias metem-me mais a pensar, as alegrias preferem-se vividas (em tempos de MCE falávamos da importância das pequenas grandes coisas, aquele trabalho discreto que não se alardeia, o gesto que se tem sem pedir recompensa...).

Quando
escrevi uma dessas fúrias, houve quem lesse ali sinal de uma estóica resistência ou, eventualmente, palerma teimosia em permanecer. Tenho amigos, católicos, que acham que quero vincular a Igreja a este tempo e a este mundo, e que não pode, ser porque estas coisas (dos divórcios, uniões de facto, aborto, ordenação de mulheres,... e esta misturada faz-me azia, por serem coisas tão diferentes, cheias de cinzentos, nada a preto e branco) são conjunturais e a Igreja move-se à velocidade de 2000 anos, necessariamente lenta, até imóvel, mesmo que esqueçam (eles) que houve Vaticano II - e não as minhas ideias pequenas.

Do outro lado, há uma preocupação de muitos não crentes e ateus (veja-se o
Diário Ateísta, que é mais um blogue anticatólico/cristão/religioso, e que prefere o insulto à discussão, do que de defesa do ateísmo) pelas coisas eclesiais, que chega a raiar o absurdo, quando se põem a discutir o documento vaticano sobre a forma como celebramos a Eucaristia: se um católico escrevesse todos os dias sobre o modo como se organiza o PCP ou a Associação República e Laicidade, apontando-lhes maneirismos, anacronismos ou o apoio a ditaduras, inquisições dos tempos modernos, que responderiam eles?... Mandavam-nos para a sacristia.

Outros ainda pensam,
como Joana Lopes, que por causa das minhas fúrias estarei em rota de colisão: «(...) se optarem um dia por sair, façam-no devagar, sem bater de portas e vão ver que não custa assim tanto. Mas se decidirem ir ficando, então coragem – só isso. Não me apetece discutir assim: custaria muito sair, porque a minha pertença à Igreja não é posta em causa pelos padres tontos ou de bispos menos razoáveis. Nós somos Igreja, tanto como o patriarca ou o Papa, como o João César das Neves ou o João Seabra. Dizia um amigo, perante o elogio exterior, "mas vocês são católicos progressistas", terrível ideia, que "não, nós somos da mesma Igreja do cardeal ou dos que se ajoelham em Fátima". Mas a minha fé, esta fé, vive-se de modo diverso, vive-se no instante que é sentirmo-nos próximos do abismo na basílica de Assis ou na Capela Sistina. Aí, ou nos Picos da Europa ou no pôr-do-sol de Inhambane, ou na hora da morte estúpida e inesperada de um amigo. Não são os pecados da Igreja que me fazem correr dela, cansar dela, fazem-me antes querer continuar a pôr em cada coisa que faço solenidade e risco, como escreveu Sophia.

A coragem em ficar é tão grande como a dos que andam fora. Apetece dizer. Hoje, quando nos dizemos católicos, parece que nos aturam enquanto batemos também nos bispos, em Roma ou na beata. Não passa por isto a minha fé. Não sou um vencido, mas também não entendo que se diga, que se
escreva, «há, em Portugal, muito mais intolerância e fundamentalismo religioso activo do que talvez se pense». Os exemplos são os do costume, mas também há dados novos: «Mas esse fundamentalismo obscurantista, e o intolerável moralismo que lhe está sempre associado, existe e aparece agora muitas vezes sob a capa de associações e ONG's beneficentes. Continua a minar este país, o profundo e o urbano, com grandes danos e muitas consequências.» Não percebo se se fala da tremenda acção social da Igreja, que em alguns casos, demasiados casos, está onde o Estado português nunca esteve.

Mas menos entendo o uso de palavras como "fundamentalismo obscurantista". É, para mim, tão obscurantista os fundamentalismos trauliteiros de muitos católicos desta praça como agora achar que os ateus detêm a verdade e só eles viram a luz, numa evangelização fundamentalista do espaço público, do País, em que no fundo querem acabar com os católicos, os crentes. No fundo: acabar com a diferença, com quem pensa e vive de modo diverso. Sem tolerância.

artigo de Miguel Marujo em Cibertúlia
imagem fonte: Agência Ecclesia - João Bénard da Costa

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