sexta-feira, julho 25, 2008

Até Setembro ...

Fiquem com esta que agora só em Setembro me põem os olhos em cima ...
Já agora, umas boas férias com descanso e tentem fazer aquilo que durante o ano não fazem, pode ser?
Lêr um bom livro,
umas visitas culturais,
visitar amigos e familiares distantes,
estar com amigos e fazer umas "patuscadas",
ir ao cinema,
fazer umas caminhadas por montes e vales,
dar uns bons e relaxantes mergulhos neste imenso oceano,
namorar,
conversar,
brincar muito,
encontrar o fundamento da nossa vida naquele que por nós se entregou até ao fim,
em suma:
descobrir o amor de Deus nas coisas da vida !

fiquem bem
Enfim, coisas da vida ...

quinta-feira, julho 17, 2008

CULTURA DE ESQUERDA! O QUE É ISSO?

A teimosia em querer pôr a direita e a esquerda como único critério e referência de tudo ou quase de tudo o que socialmente se é e se vive, denuncia, a meu ver, uma manifestação de pobreza sem resposta e uma miopia social que se vai tornando, em muitos casos, praticamente incurável. Coisa de velhos, não necessariamente de idade, que já pouco mais sabem raspar no fundo do tacho. Daí não sairão senão restos de um esturro fedorento ou de comida requentada.
Apareceu depois o centro a dividir espaços, como que a tentar equilibrar a nomenclatura tradicional e tornar-se alternativa ou terceira via à teimosia dos marrões, que deixaram de olhar para a frente para gastarem tempo e energias a olhar para o próprio umbigo. Também não se vai longe por aí.
Direito, esquerdo, será sempre o ritmo monótono de um marcar passo, por vezes sem sair do mesmo sítio e, por isso, sem horizontes novos, criados ou descortinados no meio do fumo incómodo, sempre gerado por quem não diz nada ou diz o já dito.
Agora a discussão é sobre cultura de direita ou de esquerda. Não vai longe de uma cultura de quintal ou de jardim, governado da janela, um parapeito fácil e agradável para falar de quem passa na rua, de quem vai com quem, de quem olha para cima ou de quem não levanta os olhos do chão.
É verdade que são as pessoas que geram cultura e enriquecem o património cultural acessível a todos. Se o fazem só para o seu clã, então não sei se poderemos falar ainda de cultura ou se teremos de dizer que o resultado do saber pessoal não vai além dos interesses de uma claque reduzida e fechada, que gosta de mastigar ou ruminar o que já sabe ou julga saber, mantendo a janela fechada aos ventos e saberes que sopram do lado contrário, ou de outros lados não ortodoxos.
Pôr rótulos no saber é fechá-lo no reduto pobre dos interesses pessoais ou de grupo. Faz pensar em esquizofrenia narcisista com dias contados.
Vai-se dizendo que ”abertura, cosmopolitismo, inserção no mundo” são objectivos de uma cultura de esquerda. Para gerar pessoas de esquerda e sócios para o clube, ou para enriquecer todos quantos, cada vez mais cidadãos de um mundo sem fronteiras, se desejam abrir, de modo livre e sem predeterminações de tribo, a um saber sem grilhões e a uma cultura sem rótulos?
O que dá valor e sentido à sociedade são as pessoas e estas nascem todas iguais, com capacidades e dons, todas com direito a lugar no espaço e no tempo que é seu e de todos os que coexistem no tempo. As coisas que valem, valem para todos. Se são apenas para alguns, ficam reduzidas no seu valor objectivo e no seu alcance humano e social. E todos ficam mais pobres, quer porque alguns as sonegaram, quer porque a outros não lhes foi permitido o acesso. Assim no campo cultural, económico, político, religioso. Em tudo o que os homens e mulheres têm direito e são livres de entrar. Há sempre quem goste de fiscalizar a porta para só a abrir aos que, de antemão, entram dispostos a bater palmas, aconteça o que aconteça.
A cultura que merece esse nome, é sempre um bem universal e só pode ser produzida por pessoas abertas, também elas universais e que reagem a fronteiras limitadoras, mesmo que não bafejadas por um Nobel de qualquer ramo do saber ou do agir. Cultura de direita ou de esquerda é cultura predeterminada e mutilada, produzida por gente de asas cortadas para voos curtos como os das aves de capoeira. Se algumas aves merecem ligação ao mundo cultural, pois que sejam as águias que sulcam os céus sem limites ou as aves de arribação, capazes de voar sem licença para que, em cada tempo próprio e em cada lugar propício, deixarem aqui e ali, para todos, o ar da sua graça e a expressão da sua liberdade.

António Marcelino, Bispo emérito de Aveiro

terça-feira, julho 15, 2008

Na primeira pessoa

Este artigo do jornal público que hoje transcrevo na íntegra, revela a coragem, a força, a vontade de viver e a fé em Deus de uma grande mulher. Certamente já estão fartos de ouvir falar de Ingrid Betancourt, mas porque já passaram alguns dias, considero que agora é a altura ideal para lermos esta fabulosa experiência de fé em Deus que como ela afirma nunca a abandonou!

Enfim, coisas da vida ...

Na primeira pessoa

Ingrid Betancourt esteve sequestrada pelas FARC quase sete anos. No dia 2 de Julho foi libertada com outros 14 reféns na sequência de uma operação infiltrada do Exército colombiano. Diz que foi "um milagre". E desde então tem-se desdobrado em entrevistas. Mas das torturas de que foi alvo não fala. Fala de perdão. De fé. E de amor. Por Andreia Sanches
Durante todo este tempo vivi na selva. Dormíamos em tendas feitas de material camuflado. Nos últimos sete anos, passei os dias a coçar-me por causa dos insectos. Todos os dias. Foi um inferno. Um inferno para o corpo e para o espírito. Estivemos acorrentados. Tivemos que esconder-nos. Tivemos que correr. Tivemos os olhos vendados. Tínhamos todo o tipo de dores. Dores pequenas, grandes dores... Conhecia todos os reféns que foram resgatados [no dia 2 de Julho]. Foram a minha família durante anos. Amo-os e estou muito feliz por estarem livres. Fomos torturados. Mas não vou falar sobre isso. Não estou preparada. Não sei se alguma vez vou estar. Creio que é suficiente para o mundo saber que a guerra é algo que destroça vidas e almas. Muitas coisas que aconteceram na selva têm de ficar na selva. Era a única mulher no acampamento. Tomar banho, mudar de roupa, tudo era difícil para mim. Por exemplo, tinha este cabelo que cresceu, cresceu, cresceu e lavá-lo demorava muito mais tempo que os outros. Como andava sempre atrasada eles [os elementos das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)] passavam o dia a gritar comigo. Na selva, nunca se sabe o que vai acontecer a seguir. Pode-se estar a almoçar, num momento, e no segundo seguinte está-se a receber ordens para arrumar as coisas e ir embora. E tem-se cinco minutos para ficar pronto. E isto pode acontecer em qualquer altura. Podemos ficar num campo por um dia ou podemos ficar por seis meses. Nunca se sabe. É preciso uma disciplina especial para ir fazendo coisas diferentes, para manter a noção das datas e os dias, para manter os pés assentes no chão. Tentava fazer coisas especiais em ocasiões especiais. No Natal, por exemplo. No Ano Novo. No aniversário dos meus filhos.

Ordem para matar
Tinha um rádio. Era a minha televisão e o meu DVD e todas essas coisas que existem agora e com as quais não sei lidar. De manhã cedo ouvia as mensagens da minha mãe. Na Colômbia há um programa especial através do qual familiares de vítimas de sequestro podem enviar as suas mensagens e ela costumava telefonar. Também ouvia a BBC todos os dias. Sei os nomes de todos os locutores. E ouvia o barulho de fundo quando eles falavam, ouvia se estava vento...Vivi sete anos com a consciência de que a morte era a minha companheira de todos os dias. Sabia que eles tinham ordens para matar-me se alguém tentasse resgatar-me. Há duas categorias de prisioneiros das FARC: os prisioneiros de guerra - militares e polícias - e os prisioneiros políticos, como eu. Estes últimos são os mais odiados, somos os "porcos responsáveis pela guerra". As FARC dizem ser os únicos que combatem pelos colombianos, com as armas. Eu dizia que também combatia, mas com ideias. Tinha vontade de lhes perguntar: "Como ousam acreditar que o vosso combate é melhor do que o meu?" Eu luto pela justiça social. E contra a corrupção. Eles causam a corrupção. Pagam a pessoas do Estado para passar armas e drogas.Terei contactado com mais de 300 guerrilheiros de todas as idades, de todas as condições. Destes 300, não terá havido mais de dois ou três a revelar um comportamento de compaixão. As FARC jogam com os sentimentos. Torturam-nos e tratam-nos como um cão, mas se precisam de alguma coisa, transformam-se - e estes seres horríveis e falam com gentileza. Mas houve duas ou três pessoas que me ajudaram, apesar da pressão do grupo e de saberem que se tivessem um comportamento diferente comigo podiam ser punidos, ir a conselho de guerra, ser fuzilados. Houve um momento em especial em que estava muito doente e precisava de medicamentos. E alguém arriscou e passou-me os medicamentos às escondidas.

Bravo Maria
Passei por coisas terríveis. Acho que o pior foi ter percebido que os seres humanos podem ser tão horríveis com outros seres humanos. Num ambiente de solidão espiritual, quando à minha volta não havia mais do que inimigos agressivos, aprendi a não reagir como reagia antes. Tive que aprender o silêncio e a baixar a cabeça. Só podia falar com a Virgem. Bravo Maria. Descobri que podemos ser levados a odiar uma pessoa, a odiar com todas as forças do nosso ser e, ao mesmo tempo, a encontrar o alívio através do amor. Dizia: "Por ti, Senhor, não vou dizer que o odeio". Por vezes, um guerrilheiro vinha sentar-se junto de mim, cruel, abominável, e era capaz de lhe sorrir. À noite, sonhava com os meus filhos. Quando chegou o momento de reencontrá-los, foi melhor, muito melhor do que o que sonhei. São seres humanos fantásticos. Portanto estou muito grata a Deus porque sei que eles sofreram e que podiam estar cheios de raiva e amargura. Mas o que encontrei... como dizer isto? Foi dois seres espiritualmente elevados.No dia em que fomos resgatados acordámos às quatro da manhã, como habitualmente. Como sempre, rezei. Ouvi as notícias na rádio. Ouvi as mensagens da minha mãe. Depois tiram-me as correntes e disseram-nos que tínhamos que preparar-nos, arrumar as coisas. Soubemos que havia um helicóptero a chegar com uma espécie de comissão internacional que queria falar-nos... mas não sabíamos ao certo o que ia acontecer. Um dos comandantes veio falar comigo e perguntei-lhe o que é que podíamos esperar. Disse que o helicóptero iria levar-nos para outro local para, provavelmente, falarmos com um comandante superior. Disse-nos que talvez nos fossem libertar, ou transferir para outro local, ou que talvez voltássemos ao acampamento.Partilhei essa informação com os meus companheiros. Pensámos que talvez um de nós fosse ser libertado. Rezávamos para que fosse a nossa vez. Mas não queria ser libertada sem ser com os outros, não queria que isso acontecesse.Depois ouvimos os helicópteros. Atravessámos o rio e ficámos perto do local onde foi feita a aterragem. Do helicóptero saíram quatro homens e uma mulher. Os meus companheiros perguntavam-me: "São franceses? São suíços?" E eu dizia: "Não sei, não sei quem são. Não reconheço ninguém." Os guerrilheiros mandaram-nos calar. Estavam excitados e agressivos.Achei que aquilo afinal não era nenhuma comissão internacional. Que era uma fraude. E havia um homem com uma câmara a filmar-nos. Senti-me muito desconfortável. Não queria que ele me filmasse. Pensei que queriam mostrar ao mundo que estávamos vivos e que iam usar aquelas imagens para dizer ao mundo que eram bons tipos e que nos estavam a tratar bem e que nos iam manter no cativeiro mais cinco ou seis anos. Disseram-nos que para entrarmos no helicóptero tinham que amarrar-nos as mãos. Foi muito humilhante. Tínhamos aqueles tipos armados à nossa volta e queriam amarrar-nos as mãos? Um grito do fundo do estômagoQuando o helicóptero levantou voo, neutralizaram o comandante que entrou connosco. Toda a gente o estava a pontapear. E depois ouvimos a voz do líder do grupo a dizer: 'Somos do Exército colombiano. Estão livres." Não consigo encontrar palavras para descrever... tinha que ser real. Quem iria brincar com uma coisa daquelas? O tipo que gritou transmitia uma energia incrível. Foi maravilhoso. Gritei. Foi um grito que veio do fundo do meu estômago. E depois abracei toda a gente, beijei toda a gente... quer dizer.... foi de loucos. Foi muito intenso. Chorámos. Não foi o melhor momento da minha vida - o melhor momento da minha vida foi o nascimento dos meus filhos. Mas foi o melhor momento desta provação. A viagem no helicóptero pareceu durar uma eternidade. Estava assustada. Pensava: "E se o helicóptero cai? E se tivermos um acidente?" É estúpido, mas pensava nisso. Perguntei: "Quanto tempo vamos demorar?" Disseram-me três minutos. E aqueles três minutos pareceram uma eternidade. Agora que estou livre sinto-me noutro planeta. Aquelas pessoas [os guerrilheiros] parecem-me... extra-terrestres. A única coisa que quero, e rezo por isso, é que Deus os abençoe.

Tenho que construir uma vida
Os últimos dias têm sido intensos. Estou exausta. Estou num estado de euforia. E espero que não passe. Espero não me esquecer do quão bom é estar viva e ser livre. É um privilégio. Sei que não tenho uma vida, tenho que construir uma. Sei que os meus filhos têm a sua vida e que têm que continuar com ela. Estou a aterrar da pára-quedas na vida das pessoas que têm as suas actividades diárias e eu não tenho nada. Há seis dias estava acorrentada a uma árvore. Agora estou livre e a tentar perceber como é que vou viver daqui para a frente. Nas primeiras noites em que voltei a dormir numa cama só pensava como é incrível. O meu corpo estranhou e gozou cada bocadinho. É fácil adaptarmo-nos às coisas boas. É difícil habituarmo-nos às más. Não quero esquecer o que aconteceu, mas quero perdoar. Aprendi a perdoar. E não apenas os meus carcereiros, mas também os meus companheiros com quem tive, por vezes, momentos difíceis, as pessoas que amava e que disseram horrores como por exemplo "se foi sequestrada foi porque se pôs a jeito."

Nunca, nunca, nunca perdi a fé.
Deus esteve comigo do primeiro ao último dia da minha horrível experiência. E Ele continua comigo. E eu rezo todos os dias. Desde o momento em que fui libertada peço-lhe que nos conceda o milagre de libertar os outros reféns como fez connosco. Porque para mim foi um milagre.
No dia 20 de Julho há uma grande marcha na Colômbia para pedir a libertação dos reféns, para dizer às FARC: "Párem. É infame o que vocês fazem." Quero que este combate não seja só um combate dos colombianos. Quer que seja um combate de todo o mundo. Os reféns precisam que se lute por eles como se lutou por mim.

A partir de entrevistas de Ingrid Betancourt a Larry King, na CNN, à BBC e aos jornais The Guardian, Libération e La Croix

sexta-feira, julho 11, 2008

A melhor maneira de agradecer

Como é natural aqueles que usamos a internet diariamente, temos leituras diárias quase-que-obrigatórias, o blog do meu amigo pe. Migalhas é um desses. Para mim é uma das pérolas mais preciosas que encontro na internet escrita em português, sendo que, é um daqueles espaços que mais me deixa a pensar na "vida"! De quando em vez, não resisto a transcrever os seus relatos para este meu espaço virtual, porque considero que as suas histórias não devem ficar fechadas no seu espaço dada a riqueza espiritual que comportam.
Esta que hoje apresento, revela precisamente o conceito que tenho de Deus, dentro da linha que aprendi e vou aprendendo ao longo destes anos. É este Deus próximo, amigo, companheiro de estrada, amante e confidente que acredito veemente ser aquele que Jesus nos veio revelar. Pelo menos no meu estudo da teologia, foi assim que depreendi os conceitos - graças a Deus!

Como o texto já vai longo, deixo-vos então com mais esta pedra preciosa.


Enfim, coisas da vida ...

Pediu licença para entrar. Notei-lhe o rosto alegre, mas com alguns sulcos de tristeza. Convidei-a a sentar-se. As palavras saíam-lhe como que num turbilhão:
"Não sei por onde começar. Faz hoje um ano que saí deste hospital. Não sei se ainda se recorda de mim. Vim junto de si algumas vezes para procurar ajuda. Fui para casa e passados três dias morreu o meu genro. Ainda não tinham passado 4 meses e morre a mãe dele com um câncro no pâncreas. Há dois meses apenas, descobriu-se que eu tinha um tumor também no pâncreas. Tive de fazer exames rigorosos. Vim hoje saber o resultado. Nem imagina a minha apreensão. E a da minha família. A minha filha está a sofrer muito por imaginar o pior. Felizmente os resultados dizem que não é maligno. Estou feliz. Já fui à capela agradecer a Deus. Mas sinto que as palavras que Lhe disse não bastam. Que hei-de fazer mais para agradecer a Deus?"
"Já telefonou à sua filha a dizer que não é nada maligno?"
"Não. Ainda não. Não tenho telefone".
Passei-lhe o meu telefone para as mãos.
"Ligue daqui. E já! Diga-lhe que está tudo bem".
Ligou. Falaram. Choraram as duas. De alegria.
"Obrigada. Estou mesmo feliz. Graças a Deus!"
"Vê? Essa foi a melhor maneira de agradecer a Deus: fazer alguém feliz (a sua filha) com a boa notícia que tinha para lhe transmitir. É assim que Deus nos quer ver: felizes. Essa é a melhor maneira que temos para Lhe agradecer".
Partiu. Feliz. E Deus também ficou.

quinta-feira, julho 10, 2008

Sacerdotisas?

1. A sábia prudência pode conduzir a não problematizar. Mas o encarar os horizontes de futuro obriga a reflectir. Nem seguir as euforias do progressismo nem o fechar da reflexão como se a história não fosse por essência (divina) aberta e à descoberta. Não é novidade para ninguém a matriz patriarcal como noção de “serviço/poder” do judeo-cristianismo, factor que presidiu à configuração das religiões monoteístas e igrejas ao longo dos tempos, mas que retardou mesmo a assumpção social e cultural do horizonte do feminino nas sociedades. A própria possibilidade de um debate teológico aberto, metódico e coerente, no seio das instâncias do Vaticano é ainda uma miragem; a noção de uniformidade de pensamento num dado tão acessório como a “ordenação de mulheres” é bem pesada, o que condiciona toda a estrutura eclesial a não poder dizer outra coisa senão o que diz a estrutura superior: que o assunto está bem como está e que não é sequer para pensar nele!

2. Se se fosse, efectivamente, a pensar a sério nestas questões concluía-se algo tão simples como que Jesus Cristo não fez acepção de pessoas em termos de género (masculino ou feminino) e que escolheu, naturalmente, condicionado pela cultura patriarcal sua contemporânea, e que hoje escolheria seis homens e seis mulheres; ou melhor convidaria culturalmente em função da competência e liderança e não de qualquer outro critério como o de género ou de raça. Esta conclusão, tão simples, a par de outras mais complexas obrigaria a terminar o “discurso da compensação”, quando se procura “iludir o sol com a peneira” ao dizer-se que «a mulher tem na Igreja um papel fundamental» e possui mesmo uma «visibilidade muito grande», como se refere nestes dias (pelo presidente da CEP), fundamentando a rejeição ao pensar da ordenação de mulheres e, ainda, dizendo que entre a própria comunidade protestante o assunto não é pacífico…

3. Sente-se que o mundo precisa mesmo de profetas. A admissibilidade da ordenação de mulheres (e referimo-nos exclusivamente a esta matéria), assunto sensível que vem à tona da água em momentos em que a comunidade anglicana antecipa o futuro, simboliza hoje a necessidade de ir à essência do Cristianismo. O ano dedicado a São Paulo, que faz 2000 anos de nascimento, poderia ser oportunidade de abrir, ao jeito ousado de Paulo, alguns “dossiers” de algumas “questões” absolutamente acessórias (que continuam a ser faladas nos bastidores), mas hoje mais importantes que nunca, em relação à força central da Mensagem de que as igrejas são na história o esforço da presença viva. A sociedade civil, nesta questão concreta da coerência de género, vai muitíssimo à frente. É, naturalmente, preciso coragem (Paulina) para aprender dos valores do bem comum sabendo situar-se no tempo cultural presente. É evidente que não dizemos que tudo o que é tido de “moderno” é bom, de maneira nenhuma…

4. Também há quem veja nesta questão uma dimensão de reivindicação feminista; de maneira nenhuma, não é isso. Será sim, a necessidade séria, coerente e urgente de aprofundar o essencial do Cristianismo, de “joeirar” o que foi sendo a “ferrugem” da história e aceitar a conversão no novo e desafiante tempo do séc. XXI (B. Haring). Esta questão do sacerdócio feminino, com seriedade e serenidade, talvez seja uma dessas questões decisivas. Não a querer ver, primeiramente como sério debate, é fechar a portas ao presente-futuro. E tanto que o mundo precisa de “ar fresco”! A prudência, quando apreendida da viagem da história, conduzirá à abertura de espírito nas grandes questões; até porque o que se deseja para o mundo tem de ser viver “ad intra”. Toda esta reflexão no “princípio da racionalidade” (ponto de contacto com o mundo que se procura servir), que tudo sabe fundamentar e debater, não é nada de novo…

Alexandre Cruz [08.07.2008]
foto retirada do blog http://1632un.blogspot.com

terça-feira, julho 08, 2008

A VIOLÊNCIA DOS PACÍFICOS

Crescem os sinais de um mundo violento, de sociedades amedrontadas, de grupos étnicos e religiosos em sobressalto e sob pressão, de famílias destroçadas e em pânico, de pessoas ameaçadas em convicções e haveres.
Estes sinais contrastam radicalmente com as aspirações profundas do coração humano, com os dinamismos da convivência social em harmonia, com a vontade genuína e autêntica de tantos movimentos pacifistas, com os propósitos generosos de construtores da paz assente no respeito pela dignidade dos outros e pelo reconhecimento dos bens a que têm direito, com a esperança consistente e mobilizadora das comunidades eclesiais, com a seiva vitalizante da mensagem cristã que Jesus Cristo nos deixa como “marca de estilo” de quem é seu discípulo e testemunha.

Este contraste é sinal do desequilíbrio em que se encontra a escala de valores que “comandam” a consciência humana, pessoal e colectiva: o interesse individual acima de tudo, o patamar social superior às posses reais, a cultura do brilho ainda que efémero, a intensidade das emoções mesmo que espezinhem as convicções, a preferência pelo que dá prazer e pela reacção “à flor da pele”, o adiar continuo dos apelos éticos que brotam da interioridade humana, o esquecimento voluntário da relação que a todos irmana na mesma humanidade e no ideal comum de uma vida feliz para cada um.

Jesus vem ensinar-nos a repor o equilíbrio, fazendo propostas de humanização integral. Face à confusão geral provocada pelo sistema legal – havia 613 mandamentos! –, deixa claro que só o amor pleno dá sentido à vida. Perante a ânsia de ter em abundância bens e outros valores efémeros, lembra que é mais importante ser humano e progredir constantemente em humanidade solidária. Ante o recurso à força para repor o direito ou vingar ofensas, exorta à reconciliação benevolente, à reparação justa e, se necessário, ao perdão incondicional. Face à auto-suficiência exorbitante e descabida, aconselha a simplicidade da verdade e o reconhecimento das limitações. Diante de quem se menospreza e amesquinha a si mesmo, exorta ao apreço e à consideração que lhe advém da sua condição humana e filiação divina.

Jesus apresenta a força do seu exemplo como testemunha do ser humano a que todos estamos chamados. "Aprendei de mim que sou manso e humilde de coração". E do exemplo da sua vida brota uma energia, suavemente forte e violenta, que actua a partir de dentro de cada pessoa e a transforma. É uma violência que corresponde à intensidade da resistência humana e, progressivamente, a vai reduzindo e reencaminhando. É uma violência que acalma ânimos exaltados e eleva espíritos abatidos para os situar de novo no patamar da sua dignidade. É uma violência posta ao serviço da verdade que liberta e abre caminhos novos de humanização integral.

P. Georgino Rocha

terça-feira, julho 01, 2008

A mitologia do futebol

1. Se no final, com realismo absoluto, se fizessem contas à vida, muitos clubes e selecções já teriam fechado as suas portas. Só a equipa Espanha, justa vitoriosa do Euro 2008, teria totais razões para sorrir e sentir os frutos do investimento realizado. Mas há muito tempo que as razões foram vencidas, fazendo deste desporto colectivo mais popular do mundo um autêntico caudal de expectativas e representações. Mitologicamente, a aposta do futebol é mesmo essa, encontra-se sempre assente fora da realidade, está no futuro expectante e poucas vezes se tiram, até às últimas consequências, as lições das práticas presentes. Quantas avaliações objectivas não são feitas no mundo do futebol? E se se comparasse o futebol com uma empresa…? Quantas vedetas desiludem e quantos os que se deixam iludir? Quantos nomes famosos nas camisolas representam bem mais o ir à boleia de feitos passados que o empenho dedicado no presente? Estas e tantas outras perguntas pouco se fazem e pouco se respondem…, pois o facto de só um poder ser o vencedor até justifica todas as apostas no futebol muito acima das quatro linhas: publicidade, TV’s, apoios públicos, que parecem superar todas as crises.

2. Segundo registo histórico, tudo começou a 26 de Outubro de 1863, numa reunião entre representantes de 21 clubes, em Londres, tendo sido criado a Football Association. A universidade, instituição secular europeia, esteve na origem da organização do futebol: foram as regras da Universidade de Cambrigde a primeira base de estruturação do futebol. Ebenezer Cobb Morley foi o idealista da Football Association, entidade a que presidiu entre 1867 e 1874. O fenómeno foi-se estendendo; a primeira partida internacional foi entre Inglaterra e Escócia. Na expansão crescente, e contra a visão inglesa que pretendia ter e manter o formato da gestão do futebol, um grupo de países europeus criou, em 1904, a FIFA, Fédération Internationale de Football Association. Com esta organização o futebol popularizou-se e, com “amor à camisola”, começou a difundir-se pelo mundo, tendo sido a África do Sul o primeiro país não europeu a aderir ao novo desporto de equipa em 1909. Depois aderiram a Argentina e Chile (1912) e os Estados Unidos e Canadá em 1913.

3. O crescimento foi tal e continua a ser que ao futebol tudo se junta: moda, canção, política, a par de uma publicidade férrea (como diz Lipovetsky). Uma futebolização social tornou-se, pelo menos na Europa, uma nova espécie de “religiosidade” laica: tudo se escalpeliza, tudo se analisa, tudo se prepara, tudo se agita e grita, festeja ou sofre, numa catarse que por vezes se manifesta até como risco e violência pública. Mesmo nos tempos de crise sócio-económica, a mágica mitológica que contém já o futebol faz com que não pare o seu crescimento. O saldo positivo para a UEFA do Euro 2008 é ainda bem superior ao do Euro 2004 realizado em Portugal. Até onde irá a força dominante do futebol (que ao longo do ano consegue condicionar noites de semana que baralham por completo as agendas da desejada participação social e cultural)? As coisas são como são! Contra factos não há argumentos. A “coisa” cresce, e de que maneira… Os caminhos da Europa andam à volta do estádio, parece que tem que se jogar mesmo com a bola! O que era só entretenimento está tornado a vida colectiva?

http://1632un.blogspot.com
Alexandre Cruz [30.06.08]
[imagem logotipo do EUFA Euro 2008] fonte: www.uefa.com
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