É muito variado e, em alguns aspectos muito rico, o património de um país. Também o do nosso. Os jovens entram neste património e são nele parte privilegiada. Se eles forem o presente serão também o futuro. É tempo de os ouvir, conhecer o seu mundo, perceber os seus sonhos e projectos, ter em conta os seus pesadelos e frustrações, integrar a sua esperança, prestar atenção aos dinamismos sociais que os perturbam, reconhecer os valores que carregam, senti-los na verdade do que são, comunicam, propõem e exigem.
Realça-se a qualidade de alguns jovens, reconhecida por países diversos, no campo da investigação científica, do desporto, da arte. Faz-se em favor da gente nova um investimento na sua formação, vultuoso e justificado. Estão à vista as portas que se lhes abrem nos diversos graus de ensino, sem comparação com o que se passou em décadas anteriores. Muitos têm graus e diplomas, mas não têm trabalho. Por isso vão adiando, por vezes com raiva, e também com desilusão, as suas decisões vitais. Assim se tornam os eternos precários nos mundos mais diversos. Não falta entre eles quem consiga demarcar-se dos obstáculos e romper por caminhos novos de realização, de entrega e de não conformismo. Mas também não faltam os que resvalam para campos de exclusão social, revoltados contra uma sociedade desvirtuada, que não os toma a sério e não lhes dá saídas na vida. Há de tudo no mundo dos jovens e há jovens em todos os mundos desta sociedade, que os apoia, mas não os conhece nem os ama.
Não é muito diferente o panorama religioso. A fuga de muitos, a indiferença de muitos outros, a permanência de alguns que dizem ser ainda e sempre neste espaço onde melhor respiram, sonham e projectam. Mas não em todo o lado, nem com toda a gente, nem fazendo simplesmente o que os adultos residentes aí fazem ou lhes permitem fazer. Alguém já disse que, em tempos passados, a Igreja perdeu os operários porque não os entendeu, nem entrou nas suas lutas pela justiça. Pela mesma razão, diz-se agora, está perdendo a gente nova sempre que não entra no seu mundo e teima em lhes proporcionar esquemas, que já não se quadram com o mundo de novas possibilidades e horizontes que se lhes foi abrindo e por onde entraram sem regresso.Se falamos de crise social e eclesial ao falar dos jovens, ela atinge todos os meios onde se processa a sua vida: família, escola, lugares de trabalho e de lazer, as mais diversas associações e movimentos que lhe abrem portas, mas em que nem sempre são escutados e com tempo para dizerem o que pensam e querem e com gente que os tome a sério.
O mundo dos jovens é, por vezes, um mundo dentro de outro mundo, que lhes vai sendo cada vez mais alheio e distante. Assim se empobrece um património vivo.
Na sociedade, por si cheia de opções e contradições, interesses e preconceitos, com semeadores, alheios a projectos de bem comum, não se afigura fácil a recuperação dos jovens, mormente quando antes foram aliciados para objectivos determinados, com propostas e dádivas efémeras. A Igreja pode tentar sempre caminhos que tornem os jovens protagonistas integrados na comunidade que os acolhe, que não tem que ser a de residência porque o seu mundo não é o do bilhete de identidade. Acolher, que é uma forma de amar, significa escutar, dar lugar, apreciar ideias e propostas, proporcionar vida em grupo, incentivar iniciativas próprias, tomar a sério, ser paciente e compreensivo. Tudo isto com gente, padres ou leigos, que permanecem novos por dentro, mesmo que o não sejam de idade, mas capazes de fazer caminho sem impor rumos, de empatia solidária, de dar testemunho da libertação interior, que a fé e o seguimento de Jesus Cristo cada dia alimentam. Os “sinais dos tempos” na sociedade e na Igreja surgem, também, através dos jovens. Menosprezar estes sinais ou não os saber discernir é perder ocasiões de renovação. Nem tudo nos jovens é lixo ou disparate. Neles há, também, pepitas de ouro, pistas de caminho, lampejos de esperança, gestos de generosidade que é preciso descobrir, apreciar e agradecer.
D. António Marcelino, Bispo emérito de Aveiro
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