Jorge Coelho é um brincalhão. Porque só mesmo o seu apuradíssimo sentido de humor o terá levado a levantar a hipótese de o PS avançar com uma nova lei para o aborto dispensando a realização de um referendo. É verdade que na sua intervenção na Quadratura do Círculo, onde expôs esta ideia peregrina, ele colocou muitos "ses" a tal hipótese. Só "se houver bloqueamentos"; só se se verificar que "não é possível realizar" o referendo; só depois "de se tentar tudo". Aliás, Jorge Coelho até disse que estava a falar a título pessoal, e não em nome do PS. Infelizmente, não me recordo da última vez em que as opiniões pessoais de Jorge Coelho não coincidiram com as do PS.Por isso, com "ses" ou sem "ses", em nome "pessoal" ou em nome do partido, a ideia de resolver a liberalização do aborto entre as quatro paredes do Parlamento fica a badalar no ar, como uma ameaça - evidentemente, é essa a jogada política do bem-humorado Coelho. É a sua forma sibilina de pressionar o PSD a avançar para a revisão constitucional e de empurrar Jorge Sampaio para uma resolução do caso antes de apagar a luz de Belém. É pura malandragem política. O que se aceita em quase todos os assuntos, mas não quando está em causa algo tão dramático como o aborto, que envolve os valores fundamentais a vida e a liberdade dos indivíduos.A partir do momento em que o referendo de 1998, embora não vinculativo, decidiu a vitória do "não", avançar agora com uma lei liberalizadora que ignorasse quem votou há sete anos seria um golpe inadmissível na democracia portuguesa, uma jogada palaciana digna da mais saloia extrema-esquerda. Ontem, em declarações ao DN, Francisco Louçã afirmava "não se adia uma lei justa". O profeta Louçã tem todo o direito às suas convicções. Mas eu dispenso bem a imposição dos seus conceitos de "justiça". É lamentável ver o PS - perdão, Jorge Coelho - partilhar estas tristes teses.
João Miguel Tavares - in Jornal www.dn.pt de 06.05.05
João Miguel Tavares - in Jornal www.dn.pt de 06.05.05
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