A anunciada e confirmada converssão de Tony Blair ao catolicismo tem incomodado muita gente. Uns manifestam-se, directamente, sobre o a despropósito desta conversão. Outros, em surdina ou a pretender assobiar para o lado, não conseguem esconder o desconforto. E também não falta quem vá dizendo que, apesar de tudo, o número crescente dos ateus é mais significativo na Europa que uma conversão isolada e, segundo dizem, por meros motivos de família...
Quem anda atento ao que se diz, escreve, mostra e publica, decerto se apercebeu, desde há tempos, do ribombar do trovão e dos rugidos que o pressagiavam. De repente, e sem que nada o fizesse esperar, os diários começaram a pedir entrevistas a gente pouco opu nada conhecida, os editores a publicar livros que, logo na capa, publicitam se publicitam a si próprios, falando de milhões (!) de exemplares vendidos, por se tratar de “um livro que está a abalar o mundo”.
Os entrevistados e os autores podem ser pessoas famosas no campo científico. Alguns até serão. Começamos a lê-los e fica-nos logo e sempre a sensação de que se trata de mais um sapateiro, como o da fábula, que foi além do chinelo do seu normal e competência.
Ninguém tem razão para criticar ou julgar quem livremente se professa crente ou não crente. Mas já não se iliba de poder ser julgado quem da sua opção faz teoria, muitas vezes coxa, àcerca de verdades que constituem o credo de quem tem, na sua fé, a força, o sentido e a razão do seu viver e agir diários.
O patriarca de Lisboa disse, na sua mensagem de Natal, que “Todas as formas de ateísmo, todas as formas existenciais de negação ou esqucimento de Deus, continuam a ser o maior drama da humanidade”. Não faltou logo quem viesse contrapor, em jornal diário de grande audiência nacional, que “O ateismo é aquela opinião, hoje em dia trivial, de que a existência de Deus é altamente improvável ou mesmo impossível”. E acrescenta o autor do escrito: “Mas não é bizarro que, nos dias de hoje, e com tanto por onde escolher, mesmo um cardeal designe tal ideia, como “o maior drama da humanidade”? Não, não é bizarro nem está fora do nosso contexto social.
Nada mais sério e mais digno de respeito que a verdade feita vida na vida de muita gente, e seja testemunhada com obras, atitudes e compromissos, que certamente não existiriam sem essa adesão existencial.
Muita gente, na actual sociedade, nega Deus, o Deus transcendente e revelado, para coleccionar ídolos ou se fazer a si próprio deus, numa luta de concorrência com quem dificulta o seu caminho ou, usando do mesmo direito, também, legitimamente, se reivindica de divino ou de fazedor de ídolos. A tentação de muitos é de serem deuses. Uma tentação que vem de longe e a história se foi encarregando de mostrar que, quando os pés são de barro, ainda que seja de ouro o pedestal da estátua, esta não vence o tempo normal, quanto mais o inclemente e invernoso.
Deus está menos atento à inteligência de quem O nega, que ao coração de quem O procura. Menos preocupado em responder a opiniões, mas mais atento a dar razões que justifiquem a Sua presença e sinais que acordem a vida e os compromissos das pessoas e da sociedade.A prova de que o ateísmo é um verdadeiro drama está aí bem à vista. A perda de sentido na vida de muitos jovens e adultos, o desprezo por compromissos públicos assumidos na família, a insegurança e a debilidade nas relações pessoais e no ambiente em que se vivemos, o menosprezo pelas pessoas em troca de resultados políticos, o individualismo que seca o amor e a ternura, o endeusamento do passageiro e transitório que desembocam no campo desafeiçoado de um vazio sem limites, o relegar progressivo das exigências da justiça e do bem comum para um minguado lugar social, a incapacidade de gratuidade para muita gente a que sobra tempo e dinheiro, o alto peço da guerra pago pela miséria para onde se atiram os pobres e indefesos… Que denuncia tudo isto e muito mais, senão ausência de Deus ou de uma referência segura que não anda ao sabor de gostos e interesses, mas é permanência que não ilude, nem deixa cair da ilusão quem acredita seriamente num Deus Pai? Pai mesmo daqueles que O negam, O esquecem ou que sentem o Seu incómodo? Na hora da verdade, mesmo para os que não crêem, tudo ficará claro. Para o verdadeiro crente é claro desde já, aqui e agora.
António Marcelino, Bispo emérito de Aveiro
[imagem Tony Blair com o padre Michael Seed] fonte: http://igrejauna.blogspot.com
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