A Cimeira
1. Aproxima-se a “hora” da Cimeira Europa-África. Depois de longa preparação e expectativa sobre as presenças e ausências, dos que ficam em hotéis ou em tendas, dos que tomam as refeições oficiais ou trazem as suas cozinhas, eis que finalmente, no próximo fim-de-semana realiza-se, sob a coordenação da presidência portuguesa da UA, a tão desejada Cimeira Europa-África. Para Portugal é importante que corra bem. Para os países europeus é o “regresso” geo-político a África. Para África é a presença diplomática como um “mostrar-se” na estabilidade para consolidação de parcerias sócio-económicas. Para além deste “pró-forme” haverá oportunidade para agarrar a fundo as questões fundamentais de um mundo desequilibrado em desigualdades gritantes? Que frutos para o futuro serão expectáveis de tão grandioso encontro?
2. Desde já, uma conta parece estar garantida. A Cimeira, acima do previsto, custará ao Estado (aos contribuintes portugueses) dez milhões de Euros. Pelo valor garantido muito se tem mesmo de esperar de um fim-de-semana tão pesado que, mesmo assim, conta com quatro ausências dos 27 europeus (Reino Unido, República Checa, Eslováquia, Lituânia). Não faltará o champanhe, como há dias no brinde da presidência chinesa com o presidente da Comissão Europeia e o primeiro-ministro de Portugal; direitos humanos, depois! Também o próprio ditador Mugabe do Zimbawé beberá duas taças, a dele e a da ausência de Gordon Brown; direitos humanos, a-ver-vamos. Tudo preparado, num cumprir de calendário onde alguns desafios estão em agenda.
3. Paz e segurança; desenvolvimento; democracia; energia; migrações e alterações climáticas; direitos humanos; Objectivos de Desenvolvimento do Milénio. Em perspectiva oito parcerias estratégicas entre a União Europeia e a União Africana, também num forte apelo às sociedades civis africanas. Da parte africana, das 53 presenças possíveis, estarão em Lisboa 46 ou 47 chefes de Estado. É importante que tudo corra bem, especialmente para Portugal. A diplomacia da presidência portuguesa já considera “histórico” o acontecimento (Diário de Notícias, 4 Dez.). Já?! Será por se esperarem poucos frutos concretos ou tudo já estará pré-definido? Então, Cimeira para quê? Ou não haverá (sequer algum) significativo discurso directo? Estará a diplomacia do gabinete a fechar o diálogo político vivo?
4. Tudo com chefes de Estado…Não haverá para além destes quem dê eco das sociedades concretas? Que nova conjugação possível entre diplomacia política e verdade social? Tantas vezes não se chegam a soluções, também porque os chefes de Estado vivem longe dos problemas.
Alexandre Cruz [04.12.2007]
[imagem imagem que representa Europa e África] fonte: www.rr.pt
Tão antes do tempo que…
1. Não esquecemos uma história, já lá vão uns cinco anos, numa grande superfície comercial da região. Lembramo-nos que era o dia 7 de Novembro e os locais de comércio estavam a ser engalanados para a chamada quadra comercial natalícia. Nesta história real, havia um avô, uma mãe e uma criança. Três gerações diferentes diante do mesmo acontecimento. O choro da criança era a todo o custo o pedido exigente à mãe para lhe comprar aquele brinquedo. Ela, talvez para conseguir acomodar a situação, parecia na disposição de fazer a sua vontade… Entretanto, intervém o avô, guardião da tradição, com um chavão que gravámos na memória: “não, o Natal é só em Dezembro!”
2. O “século” que vivemos vai elegendo o comercial acima de tudo, já nem se conseguindo um domingo à tarde (em certas quadras) que seja para estar em família, conversar, passear ou descansar. A concorrência aberta, bom sinal no sentido pluralista, não havendo “bela sem senão”, faz do chegar primeiro o lema de todas as casas. E com o passar dos anos vem-se ampliando toda a antecipação de tudo, em que quando se chegam aos dias festivos já pouco faz sentido. Saturação. O “mágico” das quadras especiais, como o Natal, vai-se diluindo pelo tempo fora… Que bom seria que esses mesmos valores correspondentes (ao menos da tradição) também fossem passando, mas parece que quanto a esses o Pai Natal Comercial abafa, este tornou-se dono e senhor.
3. O homem do saco vermelho já há muito que anda por aí, e até vai tendo direito a entradas triunfais como se ele merecesse toda a adoração. Em vez de “amor e paz” a sua palavra mágica é “prendas”e mais “prendas”, num ter que se gasta e vai arrefecendo o tão essencial calor humano da ternura dos gestos sensibilizantes. É um facto. E se os grandes têm a distância crítica de quem sabe a origem e o sentido do Natal (e em que os gestos calorosos são o seu prolongamento festivo), já aos pequenos, predominantemente, pelo que vemos, pouco lhes interessa alguma mensagem. E mais, de tanta sobrecarga de prendas e coisas tanto antes do tempo, quando chegar o dia nada tem sentido, nada tem valor.
4. Este ano a meados de Setembro começou a “vender-se” Natal. Para o ano, será em Agosto? Pela quantidade das coisas vamos perdendo o calor dos gestos... Verdade? Exagero? Os vindouros serão o que “lhes damos” hoje. Seja o AMOR o presente mais dado. Não estraga, é gratuito, tem todo o futuro e representa mesmo o verdadeiro Natal! Até nesta mensagem da “memória” os avós são tão necessários.
Alexandre Cruz [03.12.07]
[imagem Centro Comercial] fonte: http://static.flickr.com
Deus faz-se humano e quer acolher-nos. Pretende encontrar-se connosco e ser nosso amigo e companheiro. Vence todas as barreiras para se fazer próximo e dar a conhecer este seu desejo. Quer ajudar-nos a ser humanos, abrindo-nos horizontes de realização plena. Quer indicar-nos o caminho a percorrer, os valores a cultivar, as opções a fazer, as atitudes e os gestos a vivenciar. Quer envolver-se na história humana, potenciando capacidades e ajudando a superar limitações. Quer ser verdadeiramente o Emanuel, o Deus connosco.
É este o sentido profundo do Advento que marca o início do Ano Litúrgico. É uma espécie de tempo novo em que o modo de ser e de agir de Deus se vai dando a conhecer progressivamente. E também a maneira como reage a humanidade.
A história bíblica constitui um rico documentário desta relação mútua. Deus mantém-se sempre fiel. O povo nem sempre e faz outras opções. Surgem então os profetas que recordam o propósito divino, as promessas feitas, a aliança celebrada. E anunciam que o Emanuel vai nascer. É necessário estar atento e vigilante, preparar-se para o acolher, pronto e disponível lhe corresponder.
Jesus é este Emanuel. O seu nascimento é o Natal cristão. A atitude mais correcta é a vigilância do espírito, fruto de uma consciência lúcida e de um coração sensível. A resposta mais acessível e coerente é o cultivo da liberdade para, sem medos nem inibições, o acolhermos com alegria e verdade.
A atitude vigilante supõe e exige forças dinâmicas que nos fazem viver um humanismo de qualidade: a esperança, a sobriedade, o trabalho, a responsabilidade, a oração que constitui como que a seiva de todas as outras.
A esperança tem como alicerce a promessa feita e Deus não falha. A sua vinda é certa. O envolvimento no seu projecto depende de nós. A sobriedade faz-nos ser donos de nós mesmos e partilhar generosamente os bens com os necessitados. O trabalho desenvolve capacidades indispensáveis à nossa realização e à dos outros. A responsabilidade leva-nos a dar a melhor resposta aos desafios que nos chegam, quer provenham das situações humanas, quer da urgência de testemunhar de modo credível o Evangelho.
Estas forças dinâmicas, além de tornarem mais humana a nossa vida, dão um contributo valioso à humanização da sociedade. O natal da nova humanidade está a surgir e pode ser apressado. Precisa do esforço de todos, especialmente do contributo de pessoas enraizadas na fé, alegres na esperança e empreendedoras no amor gratuito.
P. Georgino Rocha
[imagem Partir do Pão] fonte: www.google.com
A Esperança
1. A esperança é o encontro com o desejado (bom e belo) futuro. Uma esperança que supera toda a ciência e tecnologia, pois que abarca a totalidade da existência, como encontro do que se é com o que se procura, envolvendo tudo o que se sente de mais profundo. Nesta fase histórica da globalização comunicacional do séc. XXI, que sobrecarregada nas mudanças de paradigmas de pensamento-vida gera um ansioso pessimismo, falar e propor esperança é perspectivar e antecipar um amanhã melhor que relativiza o poder das “coisas” ou dos “sistemas” e eleva a dignidade humana como centro de toda a experiência histórica.
2. Que bom seria que todos os líderes das grandes instituições, ciências sociais e humanas, filosofias, e religiões, esboçassem o seu Tratado da Esperança como compromisso com o futuro do século…e nesse caminho de reflexão sentissem o comum desígnio humano como transcendência, numa realização humana que se completa para além da historicidade sempre limitada. Diremos que neste aprofundamento dos valores essenciais da paz, amor, esperança, sentido da vida, todas as energias ganham proximidade, parceria, dando assim, “razões” para acreditar na esperança, pois esta não pode ser palavra “vã” que se professa sem se alimentar da interioridade…pois só depois se manifestará na (vida ética da) exterioridade histórica concreta.
3. Como que procurando partilhar uma mensagem esboçada nas raízes do ocidente, Bento XVI na recente Carta Encíclica (Spe Salvi – Salvos na Esperança) propõe-se a essa reflexão, na qual constrói o caminho da esperança, do Humano ao Divino, que para os cristãos brota na Primeira Pessoa. Nesta proposta da Esperança Cristã que culminará com a reflexão da época patrística (Agostinho de Hipona) e do magistério eclesial, o papa cita Platão, Lutero, Kant, Bacon, Dostoiesvski, Engels e Marx. Numa visão de confronto reflexivo, visando uma distância crítica em relação aos sistemas técnico-sociais que, levados ao absoluto, podem asfixiar a esperança.
4. A esperança, como brotar contínuo de um sentido da vida que não “seca”, não se compra nem se vende, nem se produz em laboratório ou se detecta nas tecnologias da comunicação, por mais aperfeiçoadas que venham a ser. A esperança exige a “entrega” para além de si mesmo e para além das visões da história humana, sempre procuradora de verdades maiores. A viagem dos anos da vida apura a esperança, e em circunstâncias onde as forças da lógica racionalista humana nada valem… essa luz de esperança existencial (no fundo, sempre procurada) brota anunciando um amanhã melhor. Não é algo da ordem das pressas técnicas, exige a capacidade de sabedoria poética, elevada ao infinito! Não haja dúvida, na junção de todas as reflexões da esperança, o edifício da Nova Humanidade ganhará alicerces para todo o futuro!
Alexandre Cruz [02.12.2007]
[imagem Bento XVI na apresentação da encíclica Spe Salvi] fonte: www.ssbenedictoxvi.org
Numa palavra de ordem à Igreja em Portugal, o Papa assinalou a necessidade de mudar o estilo de organização da comunidade eclesial e a mentalidade dos seus membros. Só assim, acrescenta, a Igreja poderá caminhar ao ritmo do Concílio Vaticano II.
Esta recomendação vem muito a propósito e com marcas de urgência. Teremos de nos interrogar se este objectivo se procura por reformas ou por um processo de renovação.
É um facto que a Igreja, em alguns campos e aspectos, não se desprendeu ainda de formas e de estruturas que hoje mais dificultam a circulação da vida, que a favorecem. As estruturas são um serviço à vida das pessoas e das comunidades. Por isso mesmo, são, por sua natureza, avaliadas periodicamente e substituídas ou renovadas, quando deixam de servir os objectivos desejados.
A Igreja está, em nome do Deus em que acredita e da Mensagem que lhe foi confiada, ao serviço das pessoas, construindo comunidades, animadas pela graça de os seus membros se sentirem uma família nova de filhos e de irmãos. Quando a vida das pessoas muda ou as mudanças sociais dão origem a novas culturas, nas quais se alteram valores, critérios e modelos de vida, logo tem de surgir a interrogação sobre os novos caminhos a abrir e percorrer para melhor se poder servir. De outro modo, a Igreja fica fora do tempo e começa a funcionar e a gastar as suas melhores energias em função de si própria e não daqueles aos quais é enviada. Fica assim em causa a sua condição de servidora do Evangelho de Cristo, uma Boa Nova nunca esgotada, nem envelhecida, e sempre necessária, para que as pessoas vivam e comuniquem segundo a dignidade que lhes é própria e, pelas relações mútuas, exerçam o seu protagonismo de construtores responsáveis de uma sociedade humanizada e fraterna.
Séculos houve em que, no aspecto religioso, o campo invadiu a cidade e aí assentou arraiais com formas de vida e de acção eminentemente rurais. As paróquias são estruturas rurais na sua origem e medievais na sua óptica e concepção.
Numa sociedade estática, na qual a cidade não era senão um campo alargado onde vivia maior número de gente rural, a estrutura territorial ajudava a coesão por via da delimitação de fronteiras e da concretização de tarefas religiosas. Os leigos em geral não eram mais que membros passivos da Igreja que dela recebiam a Palavra e os Sacramentos. A eles mais não se pedia que a ajuda material.
De depressa, por motivos ridículos, se foram gerando bairrismos e conflitos. Muitos destes ainda perduram sensíveis a formas novas que se pretendam implementar.
Pela explosão das ordens religiosas, ao tempo com clero mais abundante e preparado, foram surgindo no tecido religioso alguns quistos, que não favoreceram e ainda hoje nem sempre favorecem a renovação desejada.
O mundo das pessoas mudou nas suas expressões, objectivos e relacionamentos e as fronteiras territoriais amoleceram, no sentido da coesão e até da expressão comunitária. O urbanismo, como pensamento e expressão de vida, invadiu o que restava de mundo rural. A mobilidade cresceu pelas mais diversas razões e é hoje expressão normal da vida de muita gente. Democratizaram-se a vida pública e os regimes políticos, a escola e as relações pessoais, alteraram-se os valores tradicionais e multiplicaram-se as fontes de informação, com manifesta influência nos ideais de vida e nos comportamentos pessoais e colectivos. De repente, tudo mudou. Porém, algumas estruturas eclesiásticas, nomeadamente as paróquias, mas não só, perduram neste século XXI, embora com algumas reformas, com o colorido de formas estruturais de séculos longínquos. A palavra de ordem passou, por isso mesmo, a ser outra: Tempos novos, novas formas de acção pastoral e de expressão apostólica.
Esta reflexão, que vai continuar, pretende ser uma ajuda operativa ao apelo do Papa.
D. António Marcelino, Bispo Emérito de Aveiro
[imagem logotipo de uma empresa] fonte: http://www.renovarmais.pt
O 29º Lugar do Relatório DH
1. Em termos de desenvolvimento humano, na recente lista de 70 países com desenvolvimento humano elevado, Portugal ocupa o 29º lugar, sendo a cauda da Europa ocidental. No geral, foram analisados pelas Nações Unidas um total de 177 países, na procura de cruzar os dados existentes e assim ficar com uma visão de conjunto que privilegia as pessoas na sua sociedade concreta. A listagem (dos 70) começa na Islândia e termina no Brasil. Como todos os rankings deste género, as abordagens não são lineares, o que, por exemplo, se prova quando o Japão surge no oitavo lugar, tendo este país uma média de esperança de vida à nascença de 82,3 anos, maior que a fria Islândia, país que é o topo da tabela.
2. Mesmo nos limites naturais de tão complexo (e essencial) estudo, existe um extraordinário potencial meritório neste género de estudos (a que também juntamos o Relatório Anual sobre a Liberdade Religiosa no Mundo) que colocam, na generalidade, a claro aquilo que são as virtudes e os limites das sociedades contemporâneas, sempre no sentido de colmatar, solucionar, melhorar a vida das pessoas. No Relatório de Desenvolvimento Humano (RDH), entre outros, entram factores essenciais como a esperança de vida à nascença, taxa de alfabetização de adultos, taxa de escolarização bruta combinada (dos ensinos básico, secundário e superior) e o PIB per capita. O presente relatório, sublinhando, dá, ainda, um especial destaque à mudança climática que elege (a par do combate à pobreza extrema, um dos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio) como o maior desafio que se coloca à humanidade neste início do séc. XXI.
3. Como em tudo, o primeiro passo para a cura é o diagnóstico. Estes diagnósticos anuais querem ser ponto de partida contínuo, num desejado progresso para a humanidade. Estes relatórios interessam a todos, pois, hoje mais que nunca em tempo global, não há solução que não passe pela parceria ampla que potencie soluções sustentáveis. Todos, desde os maiores actores sociais (políticas, educação, religiões, filosofias,…) até aos cidadãos que todos os dias trabalham e vivem (ou sobrevivem), estão incluídos como visão de projecto, neste desejado integral desenvolvimento humano das nações. O encontrar de soluções no tempo actual, que pressupõe um pensar global e acção local, obriga a ver como estamos para solidificar o (sempre mais e melhor) que queremos. Também para o 29º classificado, em que subimos a média esperança de vida à nascença para 77,7 anos. Relatório DH em: http://hdr.undp.org/en/reports/global/hdr2007-2008/
Alexandre Cruz [28.11.07]
[imagem capa do relatório] fonte http://hdr.undp.org
Sociedade Civil
1. A vivência da sociedade civil é o reflexo dos níveis de desenvolvimento que se atinge. Um corpo social dinâmico e todo responsável pelo que é de todos, eis o espelho claro de uma liberdade bem entendida e de uma correspondente democracia justamente amadurecida. Sempre a favor de tudo quanto é bom para o bem comum (das pessoas), sempre com todos os actores do tecido social que cooperam com essa presença e proposta de uma sociedade civil não adormecida mas construtiva.
2. Normalmente, na busca do equilíbrio referencial, falar-se de sociedade civil remete-nos para uma plataforma comum onde a vida da “classe média” representa essa dinâmica criativa ou a sua ausência indiferente. Assim sendo, tanto as revoluções históricas reflectem essa insatisfação da grande maioria de cidadãos (na sua negação da dignidade e direitos), como nas situações de pobreza extrema dificilmente se consegue vislumbrar uma réstia de expectativa transformadora.
3. Mas, que considerar quando os bens essenciais parecem garantidos e a indiferença generalizada substitui a energia interventiva? O facto de em alguns países europeus o voto eleitoral ser obrigatório (como na Holanda) reflecte essa passividade, que faz pensar (?), das terras da liberdade. Também para nós portugueses, como compreender e desenvolver mais as potencialidades (e que esperar mais) de uma sociedade civil que se reconheça (como centro da vida) em que a preocupação pelo “pão de cada dia” sobreocupa o tempo social?
4. O desenvolvimento (integral) dos povos e a consolidação dos valores fundamentais, hoje, reclama o aprofundamento desta ideia chave de uma sociedade que vive a civilidade como compromisso social. Numa visão sem antípodas (ou, ou), estes são sempre o reflexo de subdesenvolvimento reflexivo. Uma civilidade de pessoas livres, numa liberdade que integra as linhas referenciais (de ética comum) dos dignos estados.
5. Uma certeira perspectivada sociedade civil em que ninguém se põe no lugar dos outros, nas onde todos (pessoas livres e estados corresponsáveis) cooperam em ordem à plena realização pessoal e social. Quando se pede aos Estados para resolver todos os problemas da sociedade (de todos), ou quando as liberdades não conseguem integrar os referenciais pluralistas “qb” (dos poderes públicos) em ordem à realização da vida em sociedade, ou, ainda, quando os Estados se querem sobrepor forçadamente às pessoas optando por elas… será porque haverá muito que caminhar em termos de sociedade civil, de modelo civilizacional.
6. Esta sociedade civil, quando está morta ou é indiferente às questões do bem das pessoas, gera a anemia social (somos na letra, mas não somos na realidade!), normalmente permeável ao avanço do que menos interessa ou à fácil (im)posição. Precisamos de uma sociedade civil mais atenta e comprometida (que pense consequentemente as questões da família, do trabalho, da educação, escola, ambiente, …)? Sim, sempre!
Alexandre Cruz [27.11.2007]
Afinal, que renovação da Igreja em Portugal?
1. Eis a questão! Depois da visita dos bispos à sede (da unidade) romana, após uma semana de “ecos”, uns mais entusiastas que outros, alguns (primários) demonstrativos do não entendimento destas “realidades”, outros (na reacção ou de “mãos atadas”) defensores de uma serenidade descomprometida, a pergunta sobre o futuro continua… A resposta será mais complexa que um “pedido” de renovação, como se esta significasse o retorno das multidões ou uma ordem de importância das coisas do mundo. Também seja dito, a fundamental aposta nas “razões da fé” de Bento XVI precisa da sua correspondência nas questões fundamentais da Igreja para o séc. XXI. Ou nestas (problemáticas) afastamos a razão?
2. Naturalmente, a renovação desejada passa pelo “fermento” na massa, pelo “sal” na comida, pelo sentido de dignidade divina a proporcionar à história humana, num horizonte de diálogo ecuménico, inter-religioso e inter-cultural… sendo certo que a ordem das realidades da comunidade Igreja não podem ser lidas com critérios meramente humanos. Se dos documentos desse encontro com o Santo Padre nos vem uma visão de Igreja (ainda) clerical e por isso de necessária renovação estrutural (de todos os que se dizem de “cristãos”) à luz do Concílio Ecuménico Vaticano II (1962-65), o entender (a atender) deste “pedido”, só pode, pressuporá o seguir o exemplo renovado que vem de cima… Como vamos de renovação em Roma? Na evidente reciprocidade, a resposta a esta pergunta será (também) a resposta para a renovação das comunidades locais…
3. Felizmente já vão os tempos em que o “questionar” seria visto com olhos menos positivos. Hoje, o horizonte da liberdade cristã efectivamente comprometida levar-nos-á, em cada tempo histórico, a (re)definir o essencial das renovações em coerência evangélica… Neste ponto, seja dito, é um som difícil de captar, os apelos à renovação da voz de quem foi “fechando” o espírito da pluralidade do Concílio Vaticano II. Como compreender o apelo à renovação local diante da “limitação” por Roma do progresso das chamadas teologias locais (das Américas, da Ásia, de África), espelhada em múltiplos afastamentos de teólogos que por uma “parte” (de pensamento diferente) é-lhes fechado o “todo” do seu esforço de inculturação?
4. Enfim, nada de novo! Se a Igreja fosse uma “entidade” qualquer, podia-se compreender um apelo “dirigido” de renovação de quem (podendo) não renova a casa... Não é fácil, mas o primeiro passo será a abertura teológica às “questões”… Ao ser comunidade “discípula” toda ela, a Igreja, não consegue conciliar essa “falta”… Ou, será que, num pluralismo das comunidades locais, poderão os seus pastores avançar com renovações nos “ministérios”? Para já não falar nas urgentes renovações (aprofundamentos dogmáticos como renovação) de linguagem sobre a fé no mundo de hoje? Claro que se pode aplicar o refrão (conformista) de que a renovação começa pela base… Enfim! E quando esta, nas suas necessidades, colide com (ainda) uma ideia de unidade como uniformidade (em vez de pluralidade)? Ou será uma renovação para continuar (na mesma)? Já agora, na recente grande entrevista da Rádio Renascença sobre esta temática (só com três bispos), onde estavam os essenciais LEIGOS?
5. Vale a pena ler o livro do grande teólogo (na prateleira) Hans Kung, “Porque Sou Cristão?”. Deste(s), num espírito ecuménico e universalista nascerá o futuro. No encontro gratificante onde ninguém perde a identidade! (Ainda estamos aqui?…) Pelo contrário, aprofunda-se a essencialidade que nos une. O tempo o exige para ser possível a renovação em ordem ao FUTURO. (Enfim, tudo isto, nada de novo! Ou melhor, tudo sempre novo, na Pessoa divina que comanda este pesado Barco! Procurámos, numa forma de escrever, não dizer tudo o que tem sido dito, de que está tudo quase bem e que o mundo é que não entende… Temos mesmo de renovar! Mas, sem simplismos, não chega “romendo novo em pano velho”!)
Alexandre Cruz [26.11.07]
[imagem teólogo Hans Kung] fonte: www.webboom.pt
Na onda das entrevistas pós "Ad Limina" deixo-vos aqui uma preciosidade...
Entrevista de D. Januário Torgal Ferreia, bispos das Forças Armadas, à rádio Antena 1 e jornal JN comentando o actual momento que vive a Igreja portuguesa no pós visita "Ad Limina". A não perder !!!
Uma das maiores entrevistas que tenho ouvido nos últimos tempos. Este homem é de facto um homem de Deus. Não tenho dúvida nenhuma disso. No entanto, como ele próprio afirma, só se ouvem algumas vozes que são "a voz da Igreja" em Portugal. Como ele próprio o afirma "o drama da Igreja de hoje é a falta de abertura".
"Uma Igreja que é humana não pode gastar dinheiro em basílicas e deixar morrer crianças à fome e ao frio". "É preciso ter frontalidade dentro da Igreja, não termos medo de dizer as verdades."
Eu revejo-me quase em todas as suas palavras, é engraçado, como quanto mais estudo sobre a Igreja mais a quero conhecer e fico também como é natural com um maior espírito crítico. Mas nunca de repulsa, acima de tudo com vontade de dar mais e melhor. Não percam e ouçam com espírito crítico como é natural.
= Ouça a entrevista =
Enfim, coisas da vida ...
Um mercado Político?
1. A estratégia do líder da oposição, como resposta ao semelhante modelo de liderança governativo, tem dado azo ao catapultar do conceito de “empresa” para um universo social e político, quase universalizando a ideia de que tudo tem que dar lucro porque para tudo terá de haver um mercado. Já das últimas décadas, mesmo o fenómeno futebol, que lida com multidões, foi trazendo, de sobremaneira, à ribalta, essa obrigatória compensação de um popular investimento, a que se junta a conquista a todo o custo em palco de uma vitória sempre procurada, e onde, a certa altura, pouco importa o que acontece no meio, ou qualidade, do jogo.
2. No plano sócio-político, o árbitro acabará por ser o critério. E este vai-se moldando ao jeito do melhor terreno para escolher o melhor ponto de partida rumo à vitória. Ver um partido político (que se julgava ser um espaço criativo e comprometido eticamente na visão de coerente proposta social) ao jeito da gestão de uma empresa (divinização da empresa?) significará centrar na lógica de mercado-lucro toda a visão de vida e da sociedade. No pressuposto da salvaguardada dignidade, nada temos a opor ao “mercado” quando ele representa o esforço da proposta concorrencial na base da qualidade… Mas, transferir tudo (e as ideias sócio-políticas especialmente) para a lógica de consumo não será o fim das ideias, ou fazer delas um negócio?
3. Neste cenário para que caminhamos (?) as ideias irão contar cada vez menos, e as lideranças provirão do laboratório fermentado da oportunidade estratégica, em vez de tudo brotar duma serena e profunda visão da vida experienciada e dos valores sociais que se buscam. São algumas, neste corredor da fama, as realidades que espelham a pequenez defraudada das ideias. Poderemos colocar neste escalão menos superior, por exemplo, muitas das linhas de pensamento-acção das juventudes partidárias? Serão estas, na essência, hoje, uma expectativa de potencialidades esfumadas? A liberdade, para uma igual dignidade humana (e de oportunidades), que nos trouxe ao presente, está a deixar-nos a meio do caminho, prisioneiros (agora pelo não andar das ideias) da quantidade (populista)?
4. Em Portugal, quando da expansão dos canais TV, esse “mercado” omnipotente trouxe-nos os maiores espectáculos da vulgaridade. Deu-se mais o que mais vendia! Na generalizada indiferença de uma possível sociedade democrática, democracia ao que parece estar a ser deixada só para o parlamento (que temos…), estaremos a caminhar para este beco mercadorista em termos sócio-políticos? Se de um lado do jogo são os números que reinam e do outro a resposta eleva a “empresa” como modelo de vida, que futuro social?! Antes do mercado, já havia (e há) pessoas. (E ainda - “Mercado”: Também como o regularmos “qb” se nos deixarmos comandar por ele?)
Alexandre Cruz [25.11.07]
[imagem direito dos cidadãos] fonte: http://jotamatias.wordpress.com
O futuro da Igreja em Portugal é o tema do debate entre os Bispos D. Carlos Azevedo, D. António Marto e D. António Francisco, que foi transmitido na Rádio Renascença.
“Nós somos sempre dados a invejazinhas, ciumezinhos, a coisas que vão dividindo as pessoas e que vão criando atritos entre elas”, diz D. Carlos Azevedo, considerando que estes factores não ajudam na construção da “valorização da vocação de cada um”.Por isso, refere o porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa, “o caminho de todos os pastores fazer com que cada um desenvolva a sua própria vocação na correspondência aos dons do espírito e esse é um trabalho sempre a fazer”.O Bispo de Aveiro , D. António Francisco, fala, por seu lado, num dinamismo novo após o encontro com o Papa, durante a deslocação “Ad Limina Apostulorum”, donde resulta um “grande esforço de renovação”.“Creio que é o momento de nos reencontrarmos com esta centralidade de uma Igreja que é convidada a falar mais de Deus e a descobrir estes caminhos, porque aí está o essencial”, diz D. António Francisco.Ir ao fundo do coração humano é o conselho do Bispo de Leiria-Fátima. Para D. António Marto, a reforma da Igreja “não se faz só através de documentos da Conferência Episcopal, faz-se com as pessoas concretas, nas comunidades e, enquanto não se despertar a alegria, a beleza, o gosto e o gozo da fé as pessoas não se mobilizam”. “Sem irmos ao fundo do coração humano, do coração do crente, não teremos uma Igreja mobilizada e entusiasta para fazer face a estas dificuldades”, acrescenta. O debate foi moderado pela jornalista Aura Miguel e pode ouvi-lo na Renascença seguindo este link: = DEBATE =
[imagem: D. António Francisco no debate nos estúdios da Renascença de Leiria] fonte: www.rr.pt]
Ainda bem que o discurso do Papa aos bispos portugueses não passou despercebido e deu ocasião a muitas interpretações e reflexões, não faltando quem julgasse e pensasse que o Papa os censurou duramente e os humilhou perante os seus diocesanos, a Igreja e a sociedade. O discurso está publicado desde a primeira hora. Cristãos e agnósticos, reagiram, mais estes que os outros, e pronunciaram-se, nem sempre com critérios correctos de leitura e apreciação, tanto sobre o Papa como sobre o seu discurso.
Ouvido Bento XVI, achei as suas palavras oportunas e interpeladoras para o momento que vivemos. Falou-se, por lá e por cá, na deficiente tradução. Mas isso em nada impede a compreensão e muito menos uma tradução viva e coerente, feita por via de zelo, reflexão e acção. Ora esta depende dos bispos em conjunto, de cada bispo com os seus colaboradores, dos cristãos acordados e dispostos a andar e a colaborar, para que a Igreja tenham sentido no presente e seja orientação para o futuro dos crentes.
Aos atentos não lhes passa despercebida a preocupação dos bispos para que, num mundo em mudança cultural e ante os ataques frequentes à Igreja e à sua acção pastoral, bem como às instituições fundamentais da sociedade, como a família e seus membros, se encontrem caminhos novos capazes de traduzir hoje para todos, de modo compreensivo e motivador, o Evangelho de sempre. No campo que é próprio de cada um, com preocupação idêntica e iguais dificuldades se debatem muitos outros responsáveis sociais em relação aos seus objectivos. O relativismo, a preocupação de nivelar por baixo, o individualismo exacerbado, a anarquia mental e moral põem ao sabor do vento corações e cabeças, muitas casas onde vive gente séria, que quer acertar.
A dificuldade de renovar a comunicação e de construir com seriedade e estabilidade é da Igreja, mas também dos pais, dos educadores, dos governantes, dos comunicadores, de todos quanto servem, com ideal e sentido, as pessoas e a comunidade.
Os bispos, no seu conjunto, sentem o desafio, não desistem, não enterram a cabeça, não derivam para margens de maior facilidade. Podem não ver claro, mas não fecham os olhos, nem cedem ao mais badalado. Também não estão apavorados com a diminuição dos que frequentam os templos.
No discurso há advertências e certezas para reflectir. O Papa não inventou, não ralhou, não se deparou com um caso raro e singular. As suas preocupações são as da Igreja numa Europa que deixou inquinar as raízes e perdeu o rumo. Não são muitos os crentes preparados para enfrentar os desencontrados vendavais que a fustigam.
O Vaticano II não está cumprido. A Igreja que dele recebeu uma luz singular, centrada em Jesus Cristo e na sua mensagem, é a Igreja Comunhão e Missão, com suas riquezas e consequências, que isto comporta. Dar consciência aos leigos da sua dignidade, dar lugar aos seus direitos e deveres, não tem tido caminho fácil. A ferrugem do tempo que dá pelo nome de clericalismo e tradicionalismo vazio, bem como o desequilíbrio que entrou nas tarefas sacerdotais e a dispersão de vida de muita gente, não têm favorecido mudanças pastorais inadiáveis. A isso se refere muito justamente o Papa quando fala de “construir caminhos de comunhão, encontrar novas formas de integração na comunidade, mudar o estilo de organização da comunidade eclesial e a mentalidade dos seus membros em ordem a uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II, na qual esteja bem estabelecida a função do clero e do laicado”. Assim se realizará na Igreja a unidade corresponsável. A exigência da iniciação cristã que o Papa sublinha e sobre a qual os bispos portugueses vêm reflectindo, é convicção comum de que se trata do caminho certo para evitar mais baptizados pagãos, termos mais convertidos ao Evangelho de Cristo e mais cristãos adultos que sejam rosto sereno e corajoso de uma Igreja viva e comprometida. Há já caminhos andados neste rumo, mas ainda muitos a exigir potentes máquinas de surriba, antes que se tornam viáveis.
Acalmadas as críticas, os bispos, movidos por dever e convicção, mais que por emoções, irão, com outros cristãos, “ver, julgar e agir”. Há campo vasto em aberto. A viagem vem sendo longa e penosa, mas a missão urge e desistir não é da Igreja.
António Marcelino, Bispo emérito de Aveiro
[imagem composta para a visita Ad Limina] fonte http://www.agencia.ecclesia.pt/