Dizem que a identidade portuguesa afirmou-se em oposição a Castela. E que de lá, nem bom ares, nem bons maridos ou esposas, a julga pelo ditado. Mas saber o que passa no país vizinho ajuda a entender o nosso, muito mais do que o que se passa na França, que durante séculos foi o ideal dos intelectuais lusos, ou na cultura de língua inglesa.
E nada melhor para saber o que se de passa para lá de Vilar Formoso do que ler jornais espanhóis, coisa que faço a um ritmo semanal, para ver se os ares mudam.Ora, por estes dias, em vésperas de eleições legislativas, o tema do aborto anda na rua. Muito pouco, a julgar pelos manifestantes que apareceram nas rua de Madrid e Barcelona, no dia 23 de Janeiro, mas o suficiente para um jornal português atribuir à notícia uma página, enquanto atribuíra apenas umas linhas à manifestação de 2 milhões de pessoas, em Madrid, a favor da família. No jornal espanhol que leio à quinta-feira, escrevia-se: “Fracaso de la movilización apoyada por el PSOE a favor del «aborto libre y gratuito»”. O jornal português parece que viu o que não viram os espanhóis.
Já que falamos deste tema, quando se aproxima o primeiro aniversário do referendo, refira-se que em Espanha a imprensa mostrou que há clínicas a fazerem abortos de fetos de sete meses...Convém estarmos atentos à Espanha. Os países pequenos andam sempre a reboque dos vizinhos grandes.
Jorge Pires Ferreira - Director-adjunto do semanário Correio do Vouga[imagem Cartoon ] fonte: http://bocadosdegente.blogspot.com/
O novo poder da Informalidade?
1. A época histórica que vivemos vai-se mostrando já tão diferente do passado recente. Melhor ou menos melhor, isso será outra questão. Em tempos diferentes, não chega, pois, clonar as mesmas respostas do tempo que já lá vai. Pode ser que o conteúdo seja o mesmo e, em última instância, o essencial da VIDA permanece; mas a forma, a roupagem terá de corresponder aos tempos novos da actualidade. O mundo que não nasceu como hoje o vemos, diz-nos que as próprias formas sociais foram, a certa altura, reinventadas a partir de uma nova “informalidade” encontrada.
2. Hoje procuram-se “regulações” para novas realidades até há 10 ou 15 anos inexistentes, como por exemplo todo o mundo da revolução das tecnologias das comunicações ou mesmo nas fronteiras abertas dos países nas novas áreas de comunidade (da Europeia consagrada à africana em formação). Os próprios pesos institucionais de formas cristalizadas no tempo estão a receber o desafio de uma abertura e flexibilidade sem precedentes, o que em última análise pode gerar uma instabilidade de ausência de referências. As instituições basilares da convivência humana família, escola, trabalho, política, vão sentindo esses impactos.
3. Talvez estejamos no “terminar” de um processo histórico dos últimos dois séculos da Razão de Estado. Pensávamos que com o Estado de Direito e toda a forma de organização social tudo estava encontrado, mas os impulsos da actual globalização e transnacionalização dos processos vai obrigando a REVER. Nestes processos de revisão ao encontro das pessoas concretas da sua situação e dignidade (o que por vezes as instituições não conseguem), a informalidade parece que vai ganhando o jogo afirmando-se com um potencial redescoberto e obrigando a descer (novamente) a Razão ao encontro da Existência humana.
4. Um autor dos anos 30, Paul Hazard, refere que «outrora, estudava-se muito o século XVII; hoje [em 1934], estuda-se muito o século XVIII». Talvez tenhamos dado prevalência ao institucional em vez da primazia às pessoas... Os tempos actuais são de reencontro com as pessoas, e as instituições que não o conseguirem perdem o significado social. Estará em andamento uma desinstaladora revolução da informalidade? Talvez, não sabemos. Uma coisa é certa, tempos de mudança profundamente complexos. Cada vez mais, e sem alarmes, nada será como dantes. Tudo dependerá dos valores profundos em que alicerçar a vida e a comunidade. Mais importante que nunca! A própria indiferença também é “sinal”…
Alexandre Cruz [31.01.08]
Cultura como desenvolvimento
1. São muitas as teorias e ideias sobre a cultura, mas na realidade as propostas de cultura apresentam-se sempre como um esforço repleto de fronteiras e incertezas. Como criar dinâmicas de tal forma interessantes e estimulantes em que as liberdades, o passado, presente e futuro, se juntem a celebrar a cultura e a vida? É a pergunta que percorre o tempo da história na expectativa de uma vivência cultural de tal forma intensa como se quase não precisássemos de apelar à cultura (cívica) da participação.
2. As coordenadas do tempo (passado, presente e futuro) não podem estar fora desse palco cultural. A própria visão cultural não pode ser em círculo fechado. Um horizonte cultural rasgado colocará no mapa da vida das sociedades a cultura no primeiro plano e não do último, como se de um acessório se tratasse. É também aqui, sem saudosismos mas como factor de “pertença”, que os séculos que nos precederam terão sabido erguer um património artístico e cultural ligado umbilicalmente à vida das gentes, numa convivência natural enraizada de tal forma que os laços de geração em geração conseguiram passar essas “tradições”. Algumas admiráveis, outras, como sabemos, nem tanto.
3. Às perguntas essenciais sobre o lugar da cultura no futuro das sociedades, poderemos responder com o que pensarão aqueles que serão o “amanhã” (os jovens de hoje) sobre o assunto. Há dias um professor especializado nestas áreas dizia que de forma crescente os jovens respondem ao jeito dos “links” (ficheiros, sectores) do computador, faltando uma visão de unidade geral de toda a informação que se “descarrega”. Nestas visões crescentes “espartilhadas” que lugar para a cultura, como elo de unidade do que somos com tudo o que antes de nós foi caminho humano? Haverá futuro sem consciência do passado?
4. É neste sentido que a cultura em Portugal terá de deixar de ser um acessório num palco de cumprir calendários. Talvez deva ser vista como factor essencial de desenvolvimento social. As gentes precisam de se sentir identificadas com as suas raízes para redescobrir as dinâmicas de participação comunitária. Quanto mais existir esse reconhecimento da “tradição” (mesmo folclórica, de bandas de música, colectividades que fazem continuamente um trabalho heróico), tanto mais haverá aptidão e curiosidade no apreço do fascinante futuro. Talvez esse “elo de unidade” possa reerguer a cultura portuguesa como factor de desenvolvimento humano e social. Mais (mais aberto) e melhor!
Alexandre Cruz [29.01.2008]
[imagem Logotipo Cultura Viva - fundação Paulo Freire] fonte: http://www.paulofreire.org/
Foi com enorme tristeza que recebi um email de um amigo, por sinal escuteiro como eu, a chamar a atenção para uma publicidade da cadeia MediaMarkt, no mínimo de muito mau gosto. Por mim podem ter a certeza que perderam um cliente, nem que fossem a última loja de electrodomésticos e afins à face da terra. Fico chocado como é que se consegue "brincar" e "gozar" com uma instituição que muito tem dado aos adolescentes e jovens de todo o mundo.
EU É QUE NÃO SOU PARVO!Enfim, coisas da vida ...
(deixo-vos também o post de um blog que costumo frequentar)Para ganhar dinheiro não vale tudo.
Deixem de ir à Media Markt. Podemos ir à concorrência.
Estive a ver o site. Como é possível?!!!
Não é ético que chamem parvos 100.000 escuteiros. São pelo menos 100.001 clientes que vão perder. Pelo menos eu nunca irei comprar lá nada.
Não admito que chamem parvos, a tantas crianças e jovens que trabalham no Escutismo .Não admito que chamem parvos adultos , que dão muito de si e do seu tempo para que o Mundo seja melhor.Não admito que se promovam com esta acusação gratuitaQue ganhem dinheiro á custa da maledicência!Quem não se sente....Procurem desmobilizar os vossos amigos para deixarem de lá comprar, pois para fazer Negócio , não vale tudo !
Passarei a ir a estabelecimentos concorrentes, que para servirem um cliente, não precisam de espezinhar ninguém!
(retirado do blog http://www.padre-inquieto.blogspot.com/)
O mal necessário?
1. Um rasto continua da recente crise de um grande banco português: infelizmente, a desconfiança é um contra-valor que tem lugar cativo. No antes, no durante a gestão do processo, e nos “depois” que parecem sempre indecisos na neblina da dúvida. Neste caso, pouco interessam os nomes e as coisas concretas; interessa bem mais compreender esta postura que depois traz para a casuística das situações uma mentalidade aprisionada pouco liberta/libertadora.
2. Mais ainda, dir-se-á que os apelos reclamantes do “outro lado” da moeda têm sido de contínua solicitação de mais inspecções, mais investigações, mais “judiciarismo”, como se à partida não acreditássemos que será possível fazer-se um caminho na confiança da liberdade responsável. De forças partidárias que há tempos reclamavam a distribuição de lugares, até à sempre recorrida justiça inspeccionadora, a que se pode juntar a realidade e os frutos da própria autoridade de inspecção alimentar, será que precisamos sempre de um “polícia” para ser feito o bem necessário? Perguntar é procurar razões…
3. Mesmo sem os pessimismos, afinal, pelos séculos fora, o que fez do chico-espertismo do escape ao sistema uma verdadeira autoridade silenciosa minadora do rigor da liberdade? O que trouxe para alguma da mentalidade uma certa necessidade de haver sempre quem inspeccione para obter uma perfeição crescente? Porque diante de situações de demonstrada corrupção a primeira palavra de ordem é o reclamar da justiça penitenciária em vez de “vamos mudar a mentalidade” estabelecendo naturalmente a justiça como valor positivo e não meramente numa óptica criminal?... Perguntas todas e muitas mais bem antigas.
4. Uma pedagogia das minunciosas e sensíveis responsabilidades pela positiva está sempre a ver se vem à tona da água. Felizmente, em tantos quadrantes sociais ela vai aperfeiçoando o seu percurso renovador sem uma necessidade inspeccionadora; noutras ainda se prefere a lógica vigilante à aceitação livre das mudanças boas para cada um e para todos. Outros séculos foram propostas à sociedade formas pedagógicas e mesmo novelísticas de afirmar as vantagens da prática da justiça. Uma cultura diária pela positiva virá destronar a sensação do “mal necessário” de que, inseguros, precisamos cada vez mais e mais de inspecções para tudo… Qual “big brother”?! Enquanto for assim, continuamos longe; a mentalidade de fazer todo o bem pelo bem, como serviço, será o sinal do tempo novo.
Alexandre Cruz [28.01.2008]
Aprender a rezar…
1. Gonçalo M. Tavares esteve recentemente em Aveiro, na Livraria dos Serviços de Acção Social da Universidade, a apresentar o seu último romance «Aprender a rezar na era da técnica». Autor já de renome no panorama literário internacional, oriundo das terras de Aveiro, foi com gosto e curiosidade que sua “aula” foi apreendida. Possuidor de um imaginário de interpretação plural, como gosta de sublinhar, nele vão sendo enfrentadas, especialmente na forma romanceada, algumas das grandes questões do (nosso) tempo. Neste romance, posterior ao «Jerusalém», entra em cena a medicina, a política, o poder, a doença, os conflitos de família, a cidade, o crime, a força, a tecnologia, a natureza, a fraqueza, a decadência. O que é a realidade das pessoas, das relações e sociedades senão toda a conjugação sempre incerta destes factores?
2. De suas próprias palavras, somos transportados para um imaginário que se propõe reinterpretar a condição humana neste novo tempo e na relação com as “coisas” tecnológicas que estão continuamente ao nosso redor. Diríamos que elas quase que nos vão “formatando”. Simultaneamente, a inquietude surpreendente de “como” e “se” as reflexões mais ancestrais (da oração, meditação, espiritualidade) conseguem resistir a toda a envolvência técnica condicionante dos humanos (?). Eis uma questão de fundo que toca o “simbólico” da existência de sermos pessoas, onde o sentimento, a emoção, poesia nos transportam para patamares acima da ordem do “exacto”, que afinal é sempre relativo. O título da obra desperta para a compatibilidade entre duas esferas que não são contraditórias, antes pertencem à totalidade da experiência humana: o “rezar” e a “técnica”, e espírito (invisível) e a matéria (tocável).
3. Segundo múltiplos comentários, é dito que «Aprender a rezar na era da técnica» mantém o olhar sombrio sobre a condição humana. Não seguimos essa interpretação. Nada de sombrio quando se “procura”. Pelo contrário, o não interrogar, o não arriscar, o não tentar conjugar contemporâneo da pluralidade (rezar + técnica) é o que surge como mais sombrio. Talvez do título o verbo “aprender” nos coloque, verdadeiramente, em caminho. No fundo, nas fronteiras da procura do sentido, espelhadas em todas as metáforas que criam proximidades com o indizível, todas as indiferenças esbatem-se e os próprios agnosticismos ou ateísmos perdem a sua “razão”… Talvez, tantas vezes, o pior de tudo seja uma questão de linguagem desalinhada… Enquanto formos humanos continuaremos a procurar uma unidade existencial entre o que “sentimos” e as “coisas” que usamos. Afinal, “rezar”, na essência, significa esse “diálogo” (sempre criativo) da intemporalidade humana. Tão diferente de palavras clonadas... É bom “aprender” da dinâmica (cerebral) aberta a Todo o diálogo de todas as coisas.
Alexandre Cruz [27.01.2008]
[imagem capa do livro ] fonte: http://www.webboom.pt/
O recuo da liberdade
1. Claro está que a liberdade não recua por si pois é sempre sinal de “relação”, e não se dizer esta afirmação sem a sua devida comprovação. A tese é demonstrada por factos concretos no relatório anual da Freedom House, sobre a situação da liberdade e democracia no mundo. Esta entidade foi fundada há 60 anos por Eleanor Roosevelt, a par de outros membros, no aprofundamento dos inúmeros tratados de paz e da democracia. Este relatório começa com a ideia de que «o ano de 2007 foi marcado por um recuo assinalável da liberdade global» (Público, 23 Janeiro). Nomeando países e situações concretas, dando especial destaque à Rússia e à China, o relatório chega à conclusão de que é a primeira vez que nos últimos 15 anos se verifica o segundo ano consecutivo de perca nos índices da liberdade global.
2. Desde a liberdade de imprensa às novas tecnologias da comunicação, das situações mais variadas na sociedade civil às corrupções de estados, o estudo elaborado mostra-nos as tendências do futuro da liberdade. Como sabemos, após a queda do muro de Berlim (1989) pensava-se que, corrigidas as fronteiras do liberalismo económico, entraríamos finalmente numa era global de desenvolvimento justo e pacífico em que a liberdade e a democracia, propostos como valores ocidentais, teriam a sua abertura exponencial a todo o planeta. Tal facto não se concretizou, havendo hoje claramente retrocessos que questionam os modelos futuros, provindo uma fatia desta perca de credibilidade democrática dos simbólicos unilateralismos da última (quase) década norte americana.
3. A conclusão, parece, vai-se tornando clara. Com o emergir em força fulgurante dos impérios orientais da China (com Japão e Índia), os designados valores do Ocidente que se pensava virem a ser hegemónicos, vão perdendo a força capaz de modelar a globalização em curso. Vai sendo um facto de “perda” que também se pode observar no emergir de novas autoridades (e mesmo autoritarismos) diante da indiferença democrática em libertinagem… Que força de impressão sócio-política virão a ter no mundo os paradigmas orientais (na sua visão do trabalho, da sociedade, da pessoa e dignidade humana)? Eis a questão do futuro! Nesse novo cenário é…por um lado, uma riqueza pois temos sempre tanto a aprender dos outros; por outro lado, a (dúvida) certeza que começa mesmo a revestir-se de significado essencial o sabermos que “identidade” de valores assumimos como referenciais comuns. As obras sobre as raízes do ocidente continuam a proliferar; na encruzilhada, saberemos melhor para onde vamos!
Alexandre Cruz [24.01.2008]
[imagem Logotipo da Freedom House] fonte: http://www.freedomhouse.org
E os petiscos regionais?
1. Naturalmente que nada está em causa numa intervenção que procura melhorar as condições de higiene e de qualidade alimentar. Essa garantia de protecção da saúde é sempre bem-vinda, no esforço da melhoria de um serviço para o bem de todos, evitando os maus hábitos do típico improviso português, também à mesa. Mas que essa intervenção oriente para uma uniformidade de procedimentos à mesa é algo que deita a perder séculos de riquezas regionais tão enaltecedoras da nossa história e tradição. Haverá uma fronteira, sempre a discernir, entre uma qualidade necessária a garantir em termos de higiene e o apreço pelas nossas origens e riquezas tradicionais, estas que são a fonte de apreço em sectores como o turismo e a gastronomia.
2. Sendo certo que quando não há condições mínimas não haverá outra solução, todavia, são manifestamente insuficientes as leis (feitas por quem conhece as “raízes” do país?) que num instante mandam fechar, como se não existissem pessoas e outros valores envolvidos. Mesmo para além da certificação de produtos regionais, sempre conducentes a uma industrialização da qualidade relativa, vemos muita gente a pedir um equilíbrio de procedimentos que consiga preservar no bom senso aquilo que são, que somos, mesmo como “petiscos regionais”. Se assim não for, uma uniformização à mesa conduzirá, a médio prazo, ao “plastificado” dos mesmos produtos em série, tudo igual, de norte a sul. Se Portugal não tivesse uma gastronomia riquíssima em zonas regionais que espelham a ancestralidade típica e se não tivéssemos no turismo uma tábua de salvação, talvez se pudesse compreender a opção.
3. Neste momento a “batata quente” (talvez não seja batata doce!) anda entre a autoridade competente e os legisladores. Nestes processos talvez tudo tenha sido falado, menos a urgente e essencial preservação daquilo que patrimonialmente à mesa nos caracteriza (?). Muito acima das questões de higiene e segurança alimentar (valores fundamentais sempre a preservar como “qualidade”), o que acontece é reflexo das tendências uniformizadoras dos tempos da globalização que vivemos. Como garantir a qualidade necessária diante da premente preservação da nossa identidade cultural, daquilo que nos caracteriza à mesa? Eis a questão fundamental (não apressada) para não vermos um país futuro de norte a sul com a mesma mesa, onde tenham desaparecido aqueles “petiscos regionais” que nos falam da nossa história e do paladar da nossa cultura.
Alexandre Cruz [23.01.2008]
[imagem Leitão à Bairrada ] fonte: http://www.cm-agueda.pt
O “Risco”
1. A história é revestida de equilíbrios provindos de “choques”. Bom seria que esses “choques” não existissem, mas eles são um facto. O famoso “Crash” dos anos 30, de que ouvimos falar como novidade em tempos, trouxe consigo um efeito dominó típico de estarmos e vivermos em rede. Hoje, mais que nunca sublinhe-se, a intensidade da “rede” é elevadíssima, tempo on-line, para o bem, para o menos bem e mesmo para o mal. Os mercados estão alavancados uns nos outros, num medir de forças ao segundo e num jogo mediático tornado de tal maneira forte em que, tantas vezes, valoriza-se mais o poder da imagem virtual que o real das condições económicas. Há já alguns anos, lembramo-nos do “fim” de algumas grandes empresas globais dos EUA que assentavam a sua lógica nos planos da virtualidade, até que ruiu…
2. A noção de “risco” está aí, novamente demonstrada. “Risco” e “Crash”, palavras a evitar dizer nesta estratégia de não contagiarmos o pessimismo das bolsas e dos mercados. Com antídoto para o “risco” aposta-se na palavra “confiança”, visando recuperar os equilíbrios perdidos. Só que estes, afinal, andavam mais ilusórios que reais. Tal como, por princípio, uma pessoa ou família não pode gastar mais que o que ganha ou tem, assim também quanto maior eram os índices de especulação dos mercados (nos EUA, desde há meses), maior será no reajustamento a crise. A recente crise dos mercados internacionais, entre as mais variadas razões, também demonstra que a virtualidade dos mercados mais dia menos dia acaba por descer à realidade, e que todos – uns com os outros - estão seguros por um fio comum. O que acontece em Nova Iorque, chega até nós, e o que se sente em Paris tem impactos em Tóquio, numa interdependência que impõe reciprocidades no reajustamento das situações de crise.
3. Os analistas da especialidade têm dito que as quebras rivalizam com o 11 de Setembro 2001, e numa “vertigem” que obriga a acompanhar o fuso horário das diferentes bolsas mundiais que unem as grande capitais do mundo. É a globalização dos mercados, que desafia à globalização da cooperação, como acontece nestes dias com o povo moçambicano vítima das cheias. À ideia global, desde os séculos XVI pertence a noção de incerteza e insegurança, pois «viver numa época global significa a necessidade de enfrentar uma série de novos factores de risco. Em muitas situações teremos de ser mais atrevidos do que cautelosos no apoio que dispensamos à inovação científica ou a outros tipos de mudança. Ao cabo e ao resto, uma das raízes da palavra “risco”, no português original, levou à criação de outra palavra que também significa “ousar” (Anthony Giddens. O mundo na Era da Globalização: 43). Seja uma globalização da ousadia mais justa e solidária.
Alexandre Cruz [22.01.2008]
[imagem Bolsa de valores ] fonte: http://ogerente.com/
Aprender das diferenças
1. Que monótono seria o mundo se, sobre TUDO, todos pensassem da mesmíssima forma! Embora, muitas vezes, as próprias forças / sistemas sociais sobrevalorizem a uniformidade em vez da diversa criatividade, a história da humanidade, que em momentos determinados sofre os embates da hiper-confluência de tanta informação das diversidades, foi-se e vai-se construindo a partir das diferenças de formas de ser, pensar e agir. Todavia, toda essa riqueza da diversidade humana não provém de “uma qualquer diferença”, do fazer algo sem ninguém ter nada a ver com isso; a “diversidade”, na sua autenticidade, não se pode confundir com a libertinagem. Talvez aqui resida uma das grandes questões do tempo actual. Necessita-se de compreender as “diferenças” (de posição, cultura, política, religião) não pela sua rama mas na sua profundidade, pois só sabendo em que tabuleiro estamos é que será possível o aprofundamento das identidades no diálogo.
2. Este aprender das diversidades nada tem a ver com o proliferar das “diferenças indiferentes”, do ser diferente “por ser”, onde não há razões pensadas e amadurecidas para esta ou aquela posição. Já num patamar de superficialidade sem racionalidade, sem pensar o que se quer, então vale tudo, e as diferenças ganham um alcance desmedido e descentralizado do referencial inabalável da dignidade humana. No horizonte cultural e religioso o conhecer e apreciar das diferenças do outro acabam por mostrar o fascinante da aventura humana. Como refere Eduardo Lourenço, o pensamento, as filosofias e as religiões, representam as respostas mais profundas para o sentido da vida e da história. Estas diferentes abordagens não são superficiais mas tocam as razões profundas do pensamento humano; é neste patamar que o diálogo pode exercer pontes de um futuro mais digno e mais humano para todos.
3. A época que vivemos, com a redefinição da própria história à luz da globalização aceleradora, proporciona uma aprendizagem que dá valor àquilo que é diferente da nossa forma de pensar… Esta dinâmica procuradora e apreciadora não se confunde com anulação ou perca de identidade (outra palavra chave da actualidade), mas representa o aprofundar da mesma essência humana que nos une. Só neste terreno de qualidade, não superficial, poderemos mais e melhor discernir uma hierarquia de verdades que saiba diferenciar o que “passa” do que fica ou deve ficar. Dos bancos da escola à praça pública, talvez apreciar a riqueza dos que pensam (de forma pensada) diferente de nós seja um exercício para uma vida (com)unitária. O mundo precisa tanto de ler as diferenças como “complementaridades”. Cada vez mais, neste mundo, todos estamos no mesmo barco!
Alexandre Cruz [21.01.2008]
[imagem Eduardo Lourenço ] fonte: http://www.teiaportuguesa.com/
A Tri-Unidade Ecuménica
1. É um hábito anual que se poderia (e deveria) prolongar por todo o ano: mensal, semanal, diário. Um dia lá chegaremos, porque um infeliz dia de lá saímos. Este ano, de 18 a 25 de Janeiro (25 de Janeiro é celebrada a conversão de São Paulo – acontecimento que marca a matriz do espírito ecuménico), comemora-se os 100 anos da primeira Semana de Oração pela Unidade das Igrejas Cristãs. Foi no ano de 1908 (um ano depois da fundação do escutismo mundial por Baben Powel), em Graymoor - Nova Iorque, nos Estados Unidos, que pela primeira vez (de que há registos), após as grandes divisões seculares, os cristãos de diferentes igrejas se reuniram a orar pela unidade. Talvez hoje pareça estranhíssimo dizermos que antes as igrejas cristãs não se falavam…; para compreendermos bem o alcance e o progresso deste século teremos de ter presente a triste história das trágicas intolerâncias dos séculos XVI-XVII...
2. As distâncias culturais e linguísticas (não havia internet nem um “inglês universal”), uma cristandade de multidão de que os mosteiros foram sendo as sedes culturais, uma bem-vinda irreverência desinstaladora das comodidades da religiosidade imperial, a situada incapacidade de diálogos como entendimento das diversidades (particulares) na unidade (essencial), a perspectiva de uniformidade igualitarista em vez da complementaridade das diferenças, entre tantas mil-e-uma complexas razões terão estado na origem das divisões das igrejas cristãs. No séc. XI (ano 1054), a fractura a oriente (ortodoxa) mais por razões de cultura; no séc. XVI, a divisão (protestante) no centro da Europa, por razões filosófico-teológicas da ordem da salvação e interpretação da Escritura. Uma complexidade de aspectos que entranhou o ADN colectivo de que uns é que eram proprietários da salvação e outros não. Sem relativismos, no limite as maiores atrocidades na catolicidade foram cometidas e as igrejas o reconhecem.
3. Os tempos são outros. Há cem anos assim essa “corrente” tolerante e de unidade foi semeando proximidades no conhecimento das diversidades. Sem medos de perder identidade. Para além do aparato exterior, quanto mais conhecermos as razões de cada diversidade mais nos sentimos em unidade. O mesmo acontece com os seres humanos, é imensamente mais o que nos une que o que nos separa. O caminho é sempre o diálogo (Vaticano II). Sem ingenuidades simplistas mas na purificação da memória (João Paulo II). Com todos os aprofundamentos rigorosos e discernindo entre o que são os dispensáveis acessórios e o ESSENCIAL que importa potenciar. O apelo continua a interpelar: «Que sejam UM». É irreversível, mas só com coragem dos líderes, o povo seguirá. Quanto ao designado Espírito Santo, Ele sempre quis a UNIDADE, Ele a vive na Trindade. Voltemos a Oração Ecuménica para nós e para a história que temos a construir. Deus não nos dispensará, mas sem (o Seu) Amor adiamos, adiamos...
Alexandre Cruz [20.01.2008]
[imagem Logotipo do site ] fonte http://www.ecumenica.it

Que Sapienza?!
1. “Sapienza” é palavra italiana que significa “sabedoria”. A Universidade La Sapienza de Roma é uma prestigiada universidade, hoje pública, que nasceu a 20 de Abril de 1303 por decreto papal de Bonifácio VIII. É uma das mais antigas e maiores universidades do mundo, com cerca de 150 mil estudantes. À sua história pertencem momentos conturbados da própria história da Europa e, dentre as várias reformas de que foi alvo, destaque-se mesmo a Reforma Napoleónica. Na natural preocupação de confrontar conhecimentos com intelectuais de todas as épocas, a Universidade La Sapienza, aberta à pluralidade de expressões, desta vez convidara o teólogo papa Bento XVI. Saudavelmente, tal como vai convidando intelectuais de toda a ordem filosófica, política e religiosa, desta vez o livre convite dirigia-se a uma das personalidades do mundo cultural, que aceitara com o maior prazer.
2. O que não seria nenhuma notícia de especial acabou por sê-lo. Um grupo de professores, intelectualmente mais uma vez descontextualizado afirmações (de há anos) deste pensador, mobilizou opinião contra a sua vinda. Rapidamente os estudantes foram apanhados na rede que ampliaram, gerando-se o mau estar com proporções anuladoras da visita de Bento XVI. Muito para além de questões de religião, este cenário, primeiramente, diz-nos que qualquer personalidade que represente uma determinada comunidade corre hoje o perigo de não ser bem-vinda ao “espaço público” de todos. Sinal de intolerância das liberdades? Segundo, porventura, na falta de qualidade racional, pode-se abrir palco a ideias de ditadores mas fecha-se a porta à liberdade de expressão do confronto saudável de ideais e valores… Caminha-se “anti”, será laicismo intransigente? E a LIBERDADE proclamada?
3. É certo que existe uma factura histórica que se paga sempre no presente, quando as hegemonias outros séculos foram impostas à força, tanto da parte de sistemas filosóficos, políticos e religiosos. Mas as intolerâncias crescem tanto mais quanto menos a cultura da racionalidade iluminar o pensamento. E é aqui que a exclusão de Bento XVI, como dizem vários pensadores ateus e agnósticos, acaba por ser sinal de desonestidade intelectual para onde deixámos cair os valores e a razão. Defensor dos princípios da laicidade, Ernesto Galli, editorialista do jornal Corriere de la Sera, escrevia que este gesto traduzia «uma laicidade oportunista, alimentada por um cientismo patético, arrogante na sua radicalidade cega». Correrá Ernesto Galli perigo de vida?! A este caso poderemos juntar (em âmbitos diversos) o da visita de Dalai Lama ou a famosa aula do papa na Universidade de Ratisbona do ano passado, onde as frases retiradas do contexto foram o que foram.
4. Independentemente de todas as histórias do passado, e de todos os lados da barricada, precisa-se de uma ordem da racionalidade justa e honesta que não se feche à pluralidade de opinião e compreenda o pensamento “lendo” até ao fim. Quando não, adeus liberdade ocidental! Claro, de tudo isto a única preocupação será a Liberdade, na Verdade, com Humanidade. Embora marcando o timbre do tempo, tudo passa; em tempo global, as aberturas são mesmo irreversíveis. Sejam ao serviço da Humanidade aberta.
Alexandre Cruz [17.01.08]
[imagem Universidade La Sapienza - Roma] fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Universidade_La_Sapienza