sexta-feira, novembro 23, 2007

Na Linha Da Utopia [22.11.2007]

Ajudar é no Banco Alimentar

1. Por vezes poderemos andar tão envolvidos em grandes projectos para o resto do mundo que esquecemos que o mundo mais próximo terá de ser esse início. Sublinhe-se que a renovação da humanidade longínqua passa, necessariamente, pela nova “chama” solidária para com a humanidade próxima e diária. Claro, uma e outra, perto como longe, esse ideal transformador quer agarrar, envolver, gerando aqueles novos sentimentos que nos despertam para o essencial da vida, esta que para ser plena obriga a reparar (n)as situações difíceis de cada outro como nós. Afinal, “somos” com o outro!

2. Nos últimos anos já nos fomos habituando, por estas alturas pré-natal, tanto a proclamar os números da pobreza e da fome (bem mais de duzentas mil pessoas em Portugal), como a destacar projectos, tanto diárias e semanais nas comunidades locais, como as grandes e exemplares campanhas como o Banco Alimentar. Mas falta algo de muito importante, parece que as potencialidades desta sensibilização nacional tardam em chegar a todos, mesmo aos que estão nos essenciais processos de formação, numa necessária reinterpretação “indutiva” de tudo, onde a realidade (hoje humanitária) obriga à renovação das teorias (da razão), para mais e melhor.

3. Vendo de dentro (pois de “fora” as ideias precipitadas, e logo redutoras, também podem abundar), no nosso tempo, o Voluntariado afirma-se como um valor essencial e de efeitos transversais sensibilizantes para a sociedade de todos. O viver o Voluntariado (e todos o seremos de algum modo…, também na verdade de que existem variados níveis de compromisso com o voluntariado) reveste-se de uma grandeza que vence as simples ideias teóricas tantas vezes simpáticas mas pouco realmente serviçais. O Voluntariado cria proximidade surpreendente entre os valores universais da dignidade humana e a sua realização nas situações mais variadas e tantas vezes tão difíceis.

4. É por isso que, insistimos volta e meia nesta tecla, falar de educação e formação obrigará à recepção em sistema educativo da experiência de inúmeras organizações (muitas delas transnacionais) que promovem a solidariedade sem fronteiras antecipando o futuro de unidade. Também estas organizações haverão de crescer cada vez mais para “partilharem” a sua visão calorosa que, muitas vezes, poderá iluminar de calor humano a partir da prática esperançosa a frieza por vezes de sistemas teóricos estruturalistas menos abertos.

5. Mesmo diante de todos os prós-e-contras que tudo quanto é humano pode ter, é imenso o potencial de valor educativo (muitas vezes ainda não devidamente abraçado por todos os quadrantes sociais e educativos) de acções e campanhas de Voluntariado como esta do Banco Alimentar. Afinal, numa cidadania humana e atenciosa, toda a sociedade está interessada, mesmo como sensibilização e corresponsabilidade social. (Os interessados em colaborar na Campanha podem contactar pelo 234 381 192 ou 962 814 355.) Nos dias 1 e 2 de Dezembro, AJUDAR É NO BANCO ALIMENTAR! (
www.aveiro.bancoalimentar.pt)

Alexandre Cruz [22.11.07]
[imagem logotipo do Banco Alimentar] fonte: www.aveiro.bancoalimentar.pt

Na Linha Da Utopia [21.11.2007]

Um muro que se levanta

1. Se alguém ousasse escrever a história dos muros escreveria das páginas decisivas da história humana. O erguer de muros contém em si uma busca de separação, no mínimo desconfiada, no máximo…mortífera. Na história dos muros (se as pedras falassem!) está inscrito muito do sofrimento humano. Os muros da separação, quer de origem ideológico-política, quer do simples estremar a fronteira da propriedade, espelham a distância entre o ideal sonhado de convivência humana e as realidades tão cruéis e longínquas da sua não realização.

2. Se poderíamos, simbolicamente, pensar que com a queda do famoso Muro de Berlim (9 de Novembro de 1989), aberta a era da globalização, já não veríamos mais o betão dos grandes muros divisórios, então, estávamos bem enganados. Na Europa de hoje, quase que parece que o Muro que dividia Berlim pertenceu a outra história de outra humanidade: no centro da Europa pós-guerra, foi concluído na madrugada de 13 de Agosto de 1961, tinha 66 km de gradeamento metálico, 127 redes metálicas com alarme, trezentas torres de observação e 255 pistas de corrida para os cães de guarda… Muro que terá provocado a morte a 80 pessoas, sendo muitos milhares os que foram presos na tentativa de fuga.

3. Esses muros “da vergonha” humana, noutros locais e porventura com outras fundamentações, continuam a ser erguidos. Um dos quais, gigante muro em construção, procura vedar as fronteiras entre os EUA e o México. Imponente investimento que em géneros alimentares daria para mundos e fundos! Esse muro procura ter pelos 5 metros de altura, passando cuidadosamente por diversos terrenos, entre areias desérticas e possíveis inundações. Tudo previsto, numa construção que procura a todo o custo evitar e entrada de emigração ilegal, e ainda com a preocupação de uma estética (?!) que seja agradável a olhar. Grotesca ironia humana que percorre já os 112 km erguidos este ano e acompanhará mais 360 km planeados para o ano 2008.

4. Enquanto algum debate norte-americano se vai divertindo sobre as possibilidades estéticas do muro separador, vão-se usando painéis da guerra do Vietname, “chaminés” de ferro e cimento no deserto do Arizona como pilares para as placas separadoras, tudo para não caber o dedo de um pé. Será esta “fuga ao mundo” dos pobres e desprotegidos (emigrantes) a solução? Afinal, de que vale a proclamada diplomacia política ou estaremos no seu fim decretado na construção de novos muros na chamada era global? Um “contraditório” da “arquitectura” relacional dos seres humanos bloqueia a ideia de que as construções essenciais deste século, à partida, seriam pontes. Que distância e ao mesmo tempo que proximidade com o séc. XX. Não vá a Europa clonar a ideia de levantar um muro (físico), porque nas ideias persiste num certo mundo faustoso o “lava as mãos” diante das crescentes concentrações de poderes e desigualdades. Também aqui, democraticamente, não seria Ano da Igualdade de Oportunidades?!

Alexandre Cruz [21.11.07]
[imagem construção do muro entre México e EUA] fonte: http://lacosazuis.blogs.sapo.pt

quarta-feira, novembro 21, 2007

Na Linha Da Utopia [20.11.2007]

Os interesses.
E os princípios?

1. O debate era sobre a globalização e ainda sobre o “choque” do rei de Espanha com Hugo Chávez. Não em Fórmula 1, mas quase! Vimos só a parte final. O suficiente para ouvir de gente diplomata e especialista a confirmação de uma ideia (inferior) que cada vez mais tem feito caminho: a noção de que, quando há grandes “interesses”, os “princípios” ficam de parte. Aplicavam esta teoria sem qualquer dificuldade à vinda de Chávez a Portugal como ao escravo império económico asiático. Mas mais interessante ainda, comprovavam que o Ocidente tem grave carência de líderes políticos.

2. Não deixa de ser interessante como a relativização dos princípios e a supermacia dos interesses (no caso energético-petrolíferos) convivem facilmente com a denúncia da ausência de lideranças. Ou seja, afirma-se o que se critica! Será por estas contradições cabais que alguns afirmam que estamos no fim da razão (política)?! A velocidade dos acontecimentos, propiciadora da lógica da quantidade e do esbatimento da clarividência das ideias vai, assim, fazendo o seu lastro percurso, onde bem e mal, verdade e mentira, caminham serenamente a par…

3. Por vezes parece que diante da “desordem” falta claramente deixar que uma “razão profunda” venha oferecer o tempero, o equilíbrio, a lucidez capaz de criar a ponte entre os interesses (legítimos, porventura) mas sem abdicar dos “princípios” em que queremos alicerçar toda a construção. Será que não reparamos que desprestigiando os “princípios” valorativos estaremos no princípio da desregulação cabal dos próprios interesses, o mesmo será dizer, no princípio do fim (a prazo). A ordem da racionalidade (razoável), para o ser, precisa de princípios inalienáveis que ofereçam uma luz de dignidade à própria vontade. Quando não, com facilidade, quereremos (como interesse) aquilo que humanamente não devemos.

4. Se dos lados asiáticos, da América latina ou de África, a busca democrática vai fazendo o seu sofrido caminho numa clara dificuldade em coexistir com a diferença, verdade se diga que esta denunciada carência de líderes também tem tido a confirmação da chamada potência (em queda) norte americana. Os candidatos democratas em ordem às eleições presidenciais, Hillary Clinton e Obama, têm andado (vergonhosamente com ameaças e ofensivas pessoais) “à turra e à massa”! Quanto ao modelo político de Bush, já nada a dizer! Pelo ritmo de descredibilidade democrática a que os povos se vão habituando, não admira que quem prometer um espectáculo diferente comece a ser rei e senhor. Pobreza de ideias. Talvez tenham(os, os líderes) de regressar à escola (com) os Diálogos de Platão, onde o entendimento, as virtudes e os princípios (re)começam a ser a “base” do Ocidente!

Alexandre Cruz [20.11.07]
[imagem_ capa do livro "Diálogos de Platão] fonte:
www.planetanews.com

terça-feira, novembro 20, 2007

Na Linha Da Utopia [19.11.2007]

O laboratório

1. Esta semana decorre na Universidade de Aveiro, a 8ª edição da Semana Aberta da Ciência e Tecnologia, em que são esperados mais de 10 mil participantes e que, em múltiplas iniciativas, contactarão directamente com as potencialidades das ciências e tecnologias. A meritória aposta despertadora da curiosidade científica a partir das mais tenras idades manifesta-se, assim, como um elemento decisivo rumo a um sentido dinâmico e criativo do desejado progresso. Numa visão de ciências e tecnologias que nunca serão um fim em si mesmas mas um “meio” (de labor, trabalho) para o desenvolvimento humano mais eficiente, este, afinal, a meta de todo o conhecimento que mais se procura.

2. Ocorre esta semana de cultura científica na mesma altura em que pelo INE (Instituto Nacional de Estatística) são apresentadas as previsões da taxa de desemprego estimada num valor superior em relação ao período homólogo do ano passado. Muito acima da problemática dos números políticos de desemprego apresentados há dias (se são virtuais ou reais, se de emprego mais longo ou temporário de dias ou semanas…), num contexto do muito confirmado desemprego de jovens licenciados, como hábito nestas alturas, erguem-se algumas vozes questionadoras sobre a utilidade dessa formação superior. Em contrapartida, e numa fundamental mentalidade renovada, muito se tem sensibilizado sobre esta necessidade premente de formação qualificada dos portugueses, a formação das pessoas e dos profissionais. Formação, sempre mais!...

3. Vivemos na fronteira da decisão transformadora do “tecido” português, mas onde nos quadros da essencial formação não chega só um pragmático quantitativo do “como” ou do “para quê”. O imperativo da qualidade, e esta implica todos os quadrantes da experiência humana da pessoa, do cidadão e profissional, será hoje a chave de um triunfo que se abre ao bem comum. Quanto mais PESSOA HUMANA, melhor profissional, mais inspiração! Talvez possa ser esta uma máxima que vença muitos mitos e slogans do “homem-fazedor não pensante” que vão proliferando mesmo em termos globais, alguns dos quais (por exemplo) exaltam muita da economia asiática quando esta provém da grotesca e escrava indignidade. Os fins não podem justificar os meios desumanos…

4. Se é certo que, hoje, Portugal pode ser um “laboratório gigante”, há algo que em termos de corresponsabilidade social é inadiável. É necessário olhar para o lado. Não chega agruparem-se os de sucesso em cima do seu sucesso que multiplica os milhões e as desigualdades… Como aperfeiçoar um “laboratório social” gerador de equilíbrios onde a par do mérito reconhecido dos génios também vença a inclusão estimulante dos menos hábeis?

Alexandre Cruz [19.11.07]

[imagem da semana da ciência e da tecnologia da universidade de aveiro] fonte: www.ua.pt

segunda-feira, novembro 19, 2007

Na Linha Da Utopia [18.11.2007]

A reactualização da Tolerância

1. Há palavras que têm um sentido bem mais profundo que aquele que comummente é atribuído. Muitos outros conceitos também existem que, de tanto falar, vão perdendo a “validade”, de tão banalizados e vazios que vão parecendo. A ideia de “tolerância” é uma dessas palavras-chave sobre a qual talvez recaia mais um sentido negativo do que positivo. Lembramo-nos quando do “Ano das Nações Unidas para a Tolerância” (1995) de que se falava no sentido comum: “já que não nos amamos ao mesmos toleremo-nos”. Tal era (será ainda hoje?) o sentido menos saudável desta ideia chave da tolerância.

2. De raiz antiquíssima nos códigos humanos que foram abrindo janelas no (difícil) entendimento das formas diferentes de pensar e viver, levado ao limite da experiência humana há 2000 anos (na origem do Cristianismo), todavia, ao longo dos séculos (europeus) a história regista páginas sangrentas de intolerância, cruelmente esta agravada com as chamadas guerras religiosas que “quebraram” a Europa da inaugurada época moderna. Nesse salto qualitativo de descobertas e conhecimentos científicos (como sempre), aguardando-se o progresso e o entendimento, eis que, pelas raízes não iluminadas, a intolerância multiplica-se.

3. Será já no século XVII, diante do cenário europeu destroçado pelas guerras dos dois grandes blocos político-religiosos (Reforma e contra-Reforma) que o filósofo inglês John Locke (1632-1704), no esforço reflexivo propõe (como base para uma concepção plural de Estado moderno) a sua magistral “Carta sobre a Tolerância” (na primavera de 1689). Um documento de separação das muitas águas turbas na confusão dos planos, mas uma carta de fundamental cooperação das diversidades para o bem comum. Estava, assim, o terreno preparado para a coabitação das diferenças de pensamento (mas, posteriormente, como infeliz hábito, as más interpretações conduzem aos extremos…).

4. Nos 50 anos da criação da UNESCO, a 16 de Novembro de 1995, numa visão contemporânea, os Estados-membro adoptaram uma “Declaração de princípios sobre a Tolerância” e proclamaram 16 de Novembro como “Dia Internacional da Tolerância”. No esforço de resgatar o conceito, quem lê as mensagens anuais do Director-Geral da UNESCO e do Secretário-Geral da ONU, redescobre a urgência de acolhermos a tolerância com um valor positivo, que significa o oposto de passividade, indiferença, ausência. Neste nosso tempo global, onde (refere Kofi Annan, 2006) se verifica o aumento da intolerância, extremismo e violência, a ideia de tolerância poderá oferecer essa luz de entendimento para o desejado diálogo e “Aliança de Civilizações”. No tempo on-line em que se decreta “o fim da distância”, e diante das novas proximidades no viver com o “outro”, a Vida do futuro exige esta escola presente.

Alexandre Cruz [18.11.2007]
[imagem logotipo das Nações Unidas] fonte: www.un.org

sexta-feira, novembro 16, 2007

A pequena grande SARA

Veja o que me aconteceu, padre. Os seus olhos estavam vermelhos. Notava-se que tinha estado a chorar. Vinha da Capela do Santíssimo. Tenho de contar-lhe, padre. Sentámo-nos. Tentei esconder a minha preocupação. Trata-se de uma mulher sofrida. Viúva. Nova. Trabalhadora. Imaginei o pior. Com este estado do país bem poderia ter perdido o emprego. Ontem a Sara fez anos, padre. A Sara tem oito anitos. Ainda conheceu o pai, mas já não se lembra das suas feições porque ele partiu há mais de cinco. O que terá feito desta vez a Sara, perguntei-me. Era minha acólita. Apesar de irrequieta, está sempre atenta na missa. Não é propriamente uma garota desvairada.A história que a mãe contou começou há uns meses. À noite a Sara costuma ajoelhar-se à beira da cama para falar com Jesus. Aprendeu na missa que rezar é falar com o Jesus que se ama. Eu costumo dizer que rezar é um diálogo de amor entre dois namorados, nós e Deus. Uma conversa que pode ser com palavras feitas, com frases comuns e com olhares. Ela optava por simplesmente falar. Contava a mãe que a Sara queria uma bicicleta. Como ela não podia comprar-lha, decidira pedir a quem fosse mais poderoso que a mãe, isto é, Jesus. A mãe tinha-a apanhado a pedir a Jesus que lhe oferecesse uma bicicleta no dia de anos. E contava-me que lhe tinha faltado a coragem para a demover do pedido. Depois notou que a conversa era quase sempre a mesma todas as noites e começou a ficar preocupada. E ontem, padre, ontem não houve bicicleta. Eu bem tentei poupar. Mas não houve. E à noite lá estava ela de bruços sobre a cama. Eu pensei que ela chorava. Abeirei-me, afaguei-lhe a cabeça e perguntei: Estás zangada com Jesus por Ele não te ter respondido, minha filha? E sabe que respondeu ela? Disse-me que não e que Ele lhe tinha respondido. Que lhe tinha dito que não. Que não podia dar-lhe a bicicleta. Fiquei perdida, padre. Já agradeci a Deus. Não agradeci a bicicleta que ela queria, mas a filha que me deu. Tinha de contar-lhe isto, porque tinha de o contar a alguém e a alguém que me percebesse, que percebesse a minha alegria. Afinal o padre está sempre a dizer que é bom pedir na oração, mas que esta não deve ser um negócio com Deus. De facto é bom pedir, porque significa reconhecer as nossas limitações, os nossos limites e confiar n’Aquele a quem pedimos. Mas não podem ser fórmulas mágicas de compra e negócio com Deus. E eu que pensava vir por aí mais um problema para resolver, recebi uma alegria para me encher de Deus. Depois que a mãe me deixou e logo que tive oportunidade, dei um beijo enorme e repenicado à Sarita, que estava por ali perto a tratar da sua alva.
retirado do blog:
http://eupadre.blogspot.com/

Sinceramente este texto tocou-me profundamente! Como é possível nós adultos não conseguirmos ter a confiança plena em Deus? Ele que está sempre atento às nossas necessidades e aos nossos anseios e apesar de tudo só sabemos "pedir, pedir, pedir" e "exigir, exigir, exigir" quase como de uma troca comercial se tratasse - eu rezo e Tu dás-me o que pretendo.
Ainda estou sem palavras para expressar o forte sentimento que me assolou quando lia este texto. É bonito, simples e é uma ENORME CATEQUESE. Vale bem mais do que os 60 minutos que possamos estar a falar com as crianças. Esta menina claramente "já tem a missa toda" como se costuma dizer, ela sim é que nos devia "dar catequese", pelo menos para mim deu-me a catequese de hoje, obrigada Sara...

O que acham? concordam ou nem por isso?

Enfim, coisas da vida ...

Na Linha Da Utopia [15.11.2007]

A lata continua!

1. Alguém dizia há dias que “a lata” está cheia…de petróleo! A referência é personalizada no maior animador político da actualidade, Hugo Chávez. São 2,2 milhões de barris de petróleo diários que a Venezuela exporta, sendo a maioria dos quais para os EUA. Efectivamente, numa economia que depende do “ouro negro” (80% de exportações, metade das receitas do Estado), enquanto a “lata” continuar cheia desse precioso recurso, este e tantos outros líderes que nadam em petróleo, continuam a falar alto numa demonstração cabal de sedução imperial pelo poder e dando nas vistas pelos piores motivos.

2. A vingança de Chavez está aí. À sobriedade do Rei de Espanha (que não gritou mas numa frase disse tudo), o iludido “senhor moço” da lata ameaça tudo e todos, julgando-se dono de tudo e de todos. Seja de que quadrante político for (tendo o seu lugar próprio, isso pouco importa, pois o essencial são as pessoas e a sua dignidade humana), atitudes deste género são o espelho de uma “adolescência” política típica de ditador. Alguém ainda pensa que a Venezuela não corre perigo (os venezuelanos e os que lá lutam pela vida)? Nestes próximos anos, à medida que a Venezuela entrar em polvorosa, veremos como a comunidade internacional continuará a colocar a cabeça debaixo da areia…pois a dependência energética (agrava) tapará os olhos das indignidades.

3. É inconcebível ao ponto a que chega a lata do senhor eleito (?!...) pelo seu povo! Do episódio da cimeira ibero-americana, Chávez terá concluído que o Rei fez-lhe cheque-mate e agora o contra ataque é a “profunda revisão” das relações políticas, económicas e diplomáticas, em que “as empresas espanholas vão ter de prestar mais contas”. Mais ainda, diz Chávez: “Vou lá ver o que andam a fazer”. Grande trabalho, é natural!... De facto, no centralismo absolutista que cresce de dia para dia, tem de ser ele a ir ver o assunto… Pobre povo, vítima no presente e mais vítima no futuro. E pelo andar da carruagem, havendo poderosos interesses à mistura, parece que o futuro está traçado. A lata vai continuar sendo cada vez maior. A não ser que… haja democracia! Pelo enfiamento da jogada, as portas democráticas estão mesmo a fechar, e enquanto a “comitiva” estiver bem alimentada, será para durar. Que nos enganemos redondamente!

Alexandre Cruz [15.11.2007]
[imagem cartoon de Hugo Chavez] fonte: http://www.sergeicartoons.com/Caricaturas/politica/chavez-hugo.htm

OPINIÕES E OBSESSÕES A TER EM CONTA

O tema da escola continua na baila e isso prova que o país está preocupado. Afunilou no ensino estatal e no privado e é pena que assim seja, pois não faltam motivos ponderosos para levar mais adiante uma reflexão necessária sobre muitos aspectos do tema.
Ainda bem que todos podemos ter opinião e torná-la pública sem medo de represálias de qualquer ordem. Mas a opinião de quem quer que seja é mais válida quanto não têm de se ocultar realidades que contrariam os argumentos ou de as adaptar ao que se pretende provar, defender, atacar ou minimizar.
Há que estar prevenido em relação a obsessões cegas, As mais frequentes destas são as ideológicas e politico partidárias. Impedem ver claro e ter liberdade interior para opinar na procura do melhor para os alunos, uma vez que são eles a razão de ser da escola.
Não vamos ter que dizer uma vez mais que estamos num campo difícil e que se torna ainda mais quando se multiplicam os decretos e portarias, que quem tem que os interpretar e cumprir diz que estão fora do contexto em que se vive e trabalha. Assim se provoca em quem depende directamente do Estado, direcções executivas e sobretudo professores, desmotivação, apatia, desinteresse e, por vezes, mesmo revolta. Há sempre vítimas deste estado de alma, de quem está na escola para ensinar e educar.
Uma opinião repetida até ao massacre de quem é legítimo esperar melhor reflexão, penso em Vital Moreira, que julgo que seja um democrata consciente e consequente, é defender, à revelia da realidade e da história, uma coisa que já nem se discute em países libertos de ideologias redutoras, de que em Portugal só tem sentido a escola pública. E diz escandalizado não se conceber que “havendo falta de dinheiro para investir na escola pública, o Estado desperdice tanto dinheiro com a manutenção abusiva de “contratos de associação”. Ora a verdade é que os contratos de associação são menos onerosos para o Estado e até podem ser, em muitos meios do país, o primeiro passo para uma escolha da escola, tal como o exige a liberdade democrática. O caminho democrático já nem vai por aí, como se o contrato de associação fosse uma excepção por razão de uma escola supletiva, mas mostra como só um ensino generalizado, pago pelo Estado, como é óbvio, é garantia de direitos legítimos. Quando aí chegarmos todos beneficiarão e a democracia estará a ser tomada a sério. Então será mais importante para o país que o governo faça acordos com clínicas privadas para praticarem abortos, do que, no campo escolar, os faça com entidades que proporcionam a todos os que as frequentam as suas escolas, um ensino mais qualificado e que é estímulo para todos?
O Estado democrático tem de considerar todo o ensino válido como um serviço público, independentemente de quem o ministra, desde que o faça segundo as exigências legais, mas com espaço de liberdade sadia para poder inovar nas matérias, nos conteúdos programáticos e nas estratégias pedagógicas. Afinal, o que o Ministério está a procurar em relação à autonomia, com grande esperança de êxito da ministra da tutela, para já apenas numa centena de escolas, não é uma cópia do que se faz, desde sempre nas escolas privadas sérias, tão atacadas e menosprezada pelo governo e seus ideólogos?
Outra obsessão é da própria ministra que, incompreensivelmente, mete todas as escolas no mesmo saco ao dizer que no ensino privado há melhores resultados porque as escolas podem escolher os alunos e no estatal não. Mas a senhora ministra sabe que isso não é verdade em todos os casos. Até acontece que, por determinação do ministério, há escolas privadas em zonas pobres, que são proibidas de receber os alunos que as procuram e que os pais desejam. Ou a verdade toda ou, então, a confissão de falência.
Acabe-se também com a história de que todo o êxito da escola está na classe social dos pais. E, então, nada a ver com os professores, o clima interno da escola, as normas da comunidade educativa, os estímulos pessoais e as exigências de trabalho, postas a quem tem de dar contas e de se preparar para uma vida cada dia mais difícil e exigente?

António Marcelino, Bispo emérito de Aveiro
[imagem logotipo do Ministério da Educação Português] fonte: http://www.abae.pt

Na Linha Da Utopia [14.11.2007]

Tantos livros do “fim”. Porquê?

1. Há dias veio à ribalta a última obra do escritor Sam Harris. O título, desafiador à maturidade humana, intelectual e filosófica do leitor, é o seguinte: O Fim da fé – Religião, terrorismo e o futuro da razão (Lisboa: Tinta da China, 2007, original de 2006). Vivemos, já acolhendo os efeitos das novas revoluções científicas e comunicacionais, o tempo de profunda transformação de paradigmas (como tanto sublinha o estudioso destas questões, Thomas Kuhn); época de globalização que vai revelando tanto um pessimismo existencial como (e que acabará por ser) de metamorfose (mudança) de referenciais… Nada de novo e tudo de novo! Tempestades e ansiedades querem ser oportunidades!

2. As literaturas universais vão espelhando esse sentir, marcadamente pessimista e ilusório, e muitas delas mesmo para os campos da busca de segurança no exotérico irracional. Veja-se como progridem os misticismos e todas as formas de magias a par das literaturas (muitas já transformadas em cinema), cheias de “anéis”, de “cálices”, etc. Tudo impregnado de seguranças mágicas, como que substituidoras do empenho de uma “razão” humana que, avançada pela tecnologia fora, foi perdendo o contacto com o mais profundo do humano. Tudo avança, paulatinamente, pois “a ideia não tem pressa” como diria Hegel.

3. Considerando “o fim da fé” como um ponto de chegada deste género de escritos quase apocalípticos, demonstrativos do sentir social de transformação, então valerá a pena registar os seus antecedentes: Idade de Extremos (Hobsbawm 1994), O fim da História e o último homem (Fukuyama 1992), O fim do trabalho (Rifkin 1995), O fim da Ciência (Horgan 1996) e O fim da autoridade (Renaut 2005). Valendo o que valem (e algumas o Nobel da Literatura), todas estas obras têm expressão mundial de referência, sinal do seu poder de sedução que, no fundo, corresponderá ao sentir existencial ansioso deste tempo, época fascinante de avanços técnico-científicos mas em que o calor humano de uma esperança colorida não vai tendo a devida correspondência.

4. Muitas vezes, bem pelo contrário, mais concentração de poderes (técnico-económicos) é sinónimo de mais exclusão e desintegração do projecto HUMANO, consequentemente, mais intolerância. Afinal, porque progridem tanto as literaturas do “fim”? Sinal claro que “algo” continua a precisar de respostas bem mais profundas, existenciais. Aqui, no “sentido da vida” não há tecnologias (nem neurocientíficas) que entrem! Essas respostas necessárias abarcam a totalidade que só o SER pode abarcar.

Alexandre Cruz [14.11.2007]
[imagem capa do livro de Sam Harris] fonte: www.bertrand.pt

quarta-feira, novembro 14, 2007

Na Linha Da Utopia [13.11.2007]

Museus, Cultura, sempre “depois”!

1. «É impossível gerir uma casa sem saber o que acontece amanhã!», lamenta o director do Museu de Arqueologia de Lisboa, Luis Raposo (Público, 13.XI.2007). É o desabafo que espelha a realidade de grandes museus do país que, por falta de pessoal vigilante e devido a desarticulação de serviços, se vêm obrigados a fechar (tanto algumas salas de exposição como em horas especiais). O Museu Nacional de Arte Antiga já no Domingo passado esteve semi-fechado, e as palavras da Ministra da Cultura confirmam a «situação de colapso provocado pela falta de atenção do Instituto dos Museus e da Conservação» (IMC), ainda sublinhando que «não há a mais pequena responsabilidade do Ministério da Cultura neste assunto». Mãos lavadas em assunto cultural!...

2. O director do IMC prefere não comentar a acusação de “esquecimento” de sua parte em manter os mínimos da “precaridade cultural” no solicitar atempadamente ao Ministério da Cultura a requisição da prorrogação dos contratos para este, por sua vez, se dirigir com “pressão” ao das Finanças a “mendigar” a sustentabilidade apertada das portas abertas dos museus. A resposta, no dizer da tutela da Cultura, “é natural que demore alguns dias” (semanas?). A certeza é de que até chegar a solução (sempre retardada e provisória… com excedentários provisórios?), uma parte expositiva dos museus pode estar encerrada (provisoriamente!), indo por água abaixo tanto esforço e investimento em captar os (já de si) difíceis PÚBLICOS.

3. A situação é de tal maneira apertada que o director do Museu Nacional de Arte Antiga considera a nomeação de vigilantes «um balão de oxigénio!» No meio de toda esta provisoriedade, não deixa de ser interessante a existência de reclamação de público detectada no Domingo passado, sinal (apesar das limitações) de louvável esforço no divulgar da fundamental abertura dos museus e património às gentes. Desta situação, todos declaram convictamente que O PROBLEMA É ANTIGO, num país ainda à procura da sobrevivência onde é “tese” a cultura vir sempre depois, se houver tempo e no infalível dogma da provisoriedade. Neste panorama, como é possível a (essencial e definitiva) abertura cultural das mentalidades em que os museus façam parte da vida das gentes e cidades e estas sintam-se “em casa” nos seus (amados ou tantas vezes esquecidos?) museus?4. No fundo, o dinheiro existe sempre para o que se considera que é importante. Que o diga a (pós)cultura do futebol, falado em todos os lados!... Como (nos) sentimos (n)os museus, e como eles estão com o seu património histórico-cultural no centro das nossas cidades? Como transferir públicos dos centros comerciais para os centros culturais?! Talvez seja de concluir que muito do futuro (humano) passa hoje pelo modo como (vi)vemos os museus e o património que temos à nossa volta. Quando não seremos estranhos em casa!

Alexandre Cruz [13.11.2007]
[imagem logotipo do instituto português dos museus] fonte: http://www.ipmuseus.pt/

terça-feira, novembro 13, 2007

Pura verdade - SERÁ?

«É preciso mudar o estilo de organização da comunidade eclesial portuguesa e a mentalidade dos seus membros para se ter uma Igreja ao ritmo do Concílio Vaticano II»
Papa Bento XVI - Discurso aos Bispos Portugueses na visita "Ad Limina" de Outubro/2007


Porque é que será que cada vez gosto mais das análises à vida do Sumo Pontífice?

Porque é que será que esta afirmação do Papa não me choca e sinceramente as pessoas que me conhecem e que debatem estes assuntos comigo, já me ouviram a proferir palavras idênticas a estas?

Porque é que será que já digo isto à mais de 3 anos pelo menos e ouço muitas vezes tantos e tantos padres a concordarem comigo e tudo continua na mesma?

Porque é que será que tenho a sensação que daqui a 5 anos, os Bispos portugueses irão outra vez ouvir este género de palavras do Papa que estiver nessa altura na cadeira de Pedro?

Será somente o meu "mau feitio"?

Será que eu é que estou a ver as coisas pela "negativa"?


Enfim, coisas da vida ...
[imagem Papa Bento XVI] fonte: http://www.ecclesia.pt

Na Linha Da Utopia [12.11.2007]

“Porque não te calas!”

1. O original da frase é em espanhol. Este é mais um “refrão” que fica da diplomacia internacional destes dias. Na recente cimeira ibero-americana, diante da não respeitabilidade de regras civilizadas pelo presidente venezuelano, o verniz estalou; mas, ao mesmo tempo parece que tudo vai continuar na mesma, não se notando tanto qualquer mudança de atitude. Quem aplaude é o (pai Filed) presidente cubano que sente o legado garantido de uma linha de pensamento e acção para quem os males sociais são o discurso triunfante… E como em todos os sistemas e sociedades esses males (da pobreza e da desigualdade) infelizmente estão sempre garantidos, então parece mesmo que essa perpetuação de algumas figuras ditatoriais no poder persistem; é o que vamos assistindo no progressivo fechamento da Venezuela…

2. Hugo Chávez vai copiando Fidel Castro, tanto na longevidade do discurso que quebra todas as regras das sessões comuns (da vida em comunidade política), como na irreverência perturbadora da ordem da normalidade. Diante da má educação sempre espectacular para dar vida à Cimeira dando nas vistas gritando umas coisas, nesse momento, várias vezes o primeiro-ministro espanhol apelou ao respeito dos princípios do “diálogo”, todavia, esta uma palavra que se vai asfixiando no dicionário dos lados venezuelanos. No feio panorama, o rei de Espanha procura salvar a honra da pátria, em palavras na generalidade aprovadas pelo bom senso da análise mesmo internacional. Quanto ao resto e aos outros presentes, o “silêncio diplomático” e o salvar da pele pessoal da sua própria nação, continua a imagem da marca política, demonstrativa que estamos muito longe de uma Verdade democrática efectivamente conhecida e reconhecida…

3. Mas o mais importante no meio de tudo isto será mesmo o verbo “calar”, que nos desperta para as fundamentais condições do diálogo. Este exige momentos de silêncio e de palavra. O entrelaçar desordenado, e nada educado, do corte da palavra do outro deita a perder toda a democracia eleita que se representa. Para esses lados da Venezuela “eleição democrática” também parece conceito em perigo, e o espectáculo internacional de Chávez vai sendo reflexo do caminho prolongado no poder onde se pretende chegar. Pior ainda (e existe quem o absolva por tal razão), será dizer-se que só por Bush ser “mau” e por Chávez ser contra-americano, então está tudo bem. Para mal dos pecados, o rei de Espanha terá de ter razão (no conteúdo): o calar, o fazer silêncio, o ouvir, será de ser uma base mínima para o “jogo” político-democrático. A Venezuela de Chávez ainda terá esses mínimos?! Não chega minimamente iludir-se e dizer que os portugueses na Venezuela estão bem. Como se estivessem…!


Alexandre Cruz [12.11.07]

[imagem Rei Juan Carlos proferindo a célebre frase a Hugo Chavez] fonte: http://www.radinrue.com
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