
A qualquer espaço que se desloquem, as estabelecimentos são sempre os mesmos ... certo?
Pretendo que este espaço virtual seja um ponto de encontro de pessoas que se sentem mais ou menos tocadas pela vida, e que haja respeito por todas as opiniões e acima de tudo abertura para se escrever sobre tudo, mesmo tudo.
Este desejo é expresso em público, com voz firme e confiante, por Bartimeu. Dirige-se a Jesus que ia a sair de Jericó a caminho de outras terras. É feito por um cego que estava na valeta, à margem, a pedir esmola.
As suas limitações não o bloqueiam, nem os preconceitos sociais nem a repreensão de alguns acompanhantes de Jesus. O seu gesto manifesta uma “cegueira” lúcida que vê mais longe e uma coragem ousada que rasga horizontes. A sua atitude fica registada como um símbolo para toda a humanidade em todos os tempos.
“Que eu veja, Senhor” – continuam a clamar os que amam, estudam e trabalham pelo progresso que humaniza a vida; os que se dedicam à investigação científica que desvenda os segredos da natureza; os que, incansavelmente e com desvelo, exercem a biomedicina e cuidam da pessoa doente e das circunstâncias em que está envolvida.
“Senhor, que eu veja” - exclamam os que sonham uma ordem política e económica, alicerçada na ética da responsabilidade comum e no destino universal dos bens e querem contribuir positivamente para despertar a consciência social dos cidadãos; os que acreditam na força das organizações e na eficácia das iniciativas que, à maneira de fermento, vão provocando um modo de ser e agir mais humanizados.
“Que eu veja, Senhor” – desejam os que estão constituídos em responsáveis pelo bem público integral e pretendem encontrar vias acessíveis e eficazes para o promover; os que têm a missão de, à maneira de Jesus, procurar as melhores formas de dar a conhecer os valores do Evangelho, de colaborar para que todas as pessoas tomem consciência da sua dignidade e possam caminhar na vida “de cabeça erguida e rosto descoberto”.
Bartimeu, o filho do homem apreciado pela honradez, tal é o significado do seu nome, faz o pedido da visão num contexto de diálogo profundo, depois de aceitar o chamamento e a ajuda que outros lhe ofereciam, de atirar fora a capa do resguardo, de se erguer com vigor e de, confiante, ir ter com Jesus. Gestos humanos indispensáveis para começar a ver com luz nova – a da fé - que enche de alegria, beleza e verdade a vida inteira.
Georgino Rocha
Jesus escolhe o gesto do sopro para comunicar o Espírito Santo, o dom de Deus por excelência. Comunica-o aos discípulos, fazendo deles apóstolos, comunica-o à Igreja a fim de ultrapassar as fronteiras da sinagoga e se abrir sem medos à universalidade da missão; comunica-o a cada um de nós para que – como São Paulo – vivamos para o Senhor e para os outros e não apenas para nós mesmos.
Antes de fazer o gesto, Jesus identifica-se. Mostra as mãos onde se mantém as cicatrizes da crucifixão e apresenta o lado com as marcas da flagelação. Sou eu mesmo e não um fantasma – afirma. Vivo uma vida nova que não se parece em nada com a vida material ou virtual. Compreendei o gesto que vos faço. Acolhei e apreciai o Espírito que vos confio em nome do Pai. Deixai-vos guiar por Ele, pois fica constituído em memória permanente e viva de quanto vos transmiti e em garante fiel de quanto vos vai ser pedido para realizardes a missão que vos entrego.
O sopro de Jesus é para os discípulos o que o alento de Deus foi no alvor da criação, dando vida a todas as coisas e gerando a harmonia do universo; é para os profetas o que a brisa suave foi para Elias, atestando a presença qualificada de Deus junto de quem permanece fiel, mesmo no meio da perseguição; é para a Igreja ao longo da história o que foi para os membros da primeira comunidade cristã: agente de transformação, força de comunhão que vai integrando diferenças legítimas, linguagem de comunicação que a todos quer fazer chegar a novidade de Jesus, em favor da humanidade inteira.
Mas quantas vezes, os ruídos se infiltraram e surgiram os monólogos e as deturpações, a comunhão cedeu lugar à desunião e ao mútuo desconhecimento, a renovação foi suplantada pela manutenção e conservação das tradições, a brisa suave foi varrida pela tempestade violenta das guerras, sem conta, o alento criador foi usurpado pelas forças da morte, de todos os naipes.
O sopro de Jesus tem sempre uma importância vital para os discípulos, a Igreja enquanto comunidade instituída, a humanidade com família de irmãos. Ele é Espírito e não os espíritos, as forças ocultas e malfazejas, as correntes dinâmicas de esoterismo, os estados sentimentais e fundamentalistas.
O sopro de Jesus constitui o gesto da nossa marca e do nosso estilo. Faz-nos apelos à intervenção coerente, lúcida e realista, numa sociedade cheia de luzes e sombras.
P. GEORGINO ROCHA
Era assim entre os cristãos de Jerusalém. Os bens estão ao serviço das pessoas. O gosto legítimo de ter traz consigo o desejo de partilhar. A medida da distribuição é definida pelas necessidades e não pelas possibilidades. A atenção da comunidade centra-se nas pessoas individualizadas. A angariação de bens é fruto da consciência comum, da organização solidária, da funcionalidade da rede domiciliária. O exemplo destes cristãos fica como referência para todos os tempos.
A economia da comunhão tem aqui uma das suas principais fontes de inspiração: Ter em comum para chegar a cada um. De forma adequada, sem subterfúgios de qualquer espécie. Com honestidade consciente e transparente. O lucro, também legítimo eticamente, faz parte de um todo social que privilegia a pessoa na sua integralidade.
Aquele modo de proceder manifesta que todos se reconhecem membros da mesma família humana, que todos se amem com amor de doação, que todos estão dispostos a tudo em benefício de cada um. Manifesta igualmente que ninguém pensa que a posse legítima dos bens é apenas pertença privada ou serve somente para uso pessoal, mas antes que todos se consideram depositários e administradores de bens destinados a todos.
Os cristãos de Jerusalém adoptam este estilo de vida e de organização económica pela sua fé em Jesus ressuscitado. Se Jesus está vivo – e está, sem dúvida alguma -, os bens fazem parte do projecto de Deus e têm uma única finalidade: servir a dignidade do ser humano para que possa fazer desabrochar todas as suas capacidades e satisfazer todas as legítimas aspirações.
A fé em Cristo Jesus recria, dotando-a de uma força nova, a ética económica, seja qual for o modelo predominante, e abre horizontes de superação consistente a todas as crises. A relação com os bens está revestida desta novidade. Os cristãos são coerentemente testemunhas qualificadas dessa originalidade. De contrário, fica “congelado” o alcance da ressurreição de Jesus Cristo e hipotecada a força da esperança pascal.
P. Georgino Rocha
1. Lê-se num antigo conto judaico que vivia numa aldeia uma família pobre: pai, mãe e uma filha pequena. O dinheiro não abundava, mas nunca ninguém os ouviu lamentar-se.
2. Aproximava-se entretanto a Páscoa, e a família não tinha meios para comprar as roupas novas requeridas para a festa. Na véspera da festa, a filha disse para o pai: «A Páscoa está a chegar; por que é que ainda não comprámos as roupas novas?» Retendo as lágrimas, o pai respondeu: «Não te preocupes, minha filha; o profeta Elias enviar-nos-á as roupas novas; não precisamos de as comprar». Mas a pequena, não totalmente satisfeita com a candura da promessa, adiantou: «Papá, e se eu escrevesse ao profeta Elias para lhe dizer aquilo de que precisamos?» O pai sorriu e disse: «Escreve, filha».
3. A menina pegou num lápis e numa folha de papel e escreveu: «Elias, para a Páscoa, manda-nos, por favor, um casaco para o papá, uma saia para a mamã, e uns sapatos brancos para mim». Estava para ir meter a carta no correio, quando parou e perguntou: «Papá, de que me vale pôr a carta no correio, se não sei o endereço do profeta Elias?» Respondeu o pai: «Atira-a pela janela, porque o profeta Elias irá recolhê-la onde ela cair».
4. A menina fez como o pai lhe tinha dito. E cheia de uma fé simples e ingénua, ficou à espera de ver realizado o seu pedido.
5. Passava naquela altura debaixo da janela um homem rico que, ao ver cair ao chão aquela folha de papel, a apanhou e viu o que nela estava escrito. E disse de si para consigo: «Esta noite é festa e não posso desiludir esta pobre família e, sobretudo, a fé da menina». Pôs então numa linda caixa as roupas pedidas na carta, e deixou a caixa junto da porta daquela casa, com um cartão que dizia: «Votos de Páscoa Feliz do profeta Elias».
6. É desarmante a inocência da menina desta história! No meio da pobreza e das lágrimas a custo retidas dos seus pais, ela acredita na alegria, e acaba por conseguir vestir de festa aquela casa. Na tradição bíblica e judaica, Elias é o precursor do Messias. Por isso, em cada festa da Páscoa, que os judeus celebram em família pela noite dentro, a porta da casa fica aberta para que Elias possa entrar; na mesa da Ceia há sempre um lugar a mais, destinado a Elias; nesse lugar, é colocado o respectivo talher e uma taça já cheia de vinho, à espera de Elias.
7. O Livro do Apocalipse (21,4), no seguimento de Isaías 25,8, põe Deus a «enxugar cada lágrima dos nossos olhos». A expressão é ousada, pois não fala de olhos sem lágrimas, mas de olhos cujas lágrimas são enxugadas. Atente-se na diferença: os nossos olhos podem manter-se enxutos por cínica indiferença perante o sofrimento dos outros, ou por um esforço estóico para suportar o nosso próprio sofrimento, ou porque já não há mais lágrimas para chorar. Mas uma lágrima enxugada é diferente de olhos enxutos. As lágrimas representam a nossa história de sofrimento. Dizer que as lágrimas são enxugadas significa dizer que no nosso tempo entra um tempo novo, o futuro-presente de Deus, onde o sofrimento será apagado pelas mãos carinhosas de Deus.
8. Viver a Páscoa, que é o tempo em que vamos, não significa indiferença ou estoicismo, mas, antes, enxugar carinhosamente as lágrimas que correm pelo rosto dos nossos irmãos. O tempo em que vamos é (pode ser) uma viagem para a alegria. E cada um de nós pode ser o precursor desse tempo novo. «Votos de Páscoa Feliz do profeta Elias».
António Couto