O Vaticano II também teve presente nos seus objectivos situar a Igreja numa relação positiva com a sociedade.
A Igreja não podia encontrar-se consigo própria num projecto de renovação, se omitisse ou menosprezasse a relação com as pessoas, a natureza criada, os dinamismos sociais e culturais emergentes e influentes. Ela é para os cristãos, segundo o desígnio de Deus, um dom que, em Jesus Cristo, é feito aos homens e mulheres de todos os tempos, para que todos, pela sua fé, encontrem e usufruam caminhos de salvação, de felicidade e de paz.
As comunidades cristãs sentiram-se assim, de modo discreto mas eficiente, um fermento novo no seio da comunidade humana, de que também eram membros. O seu modo de viver era contagiante e provocava, nas pessoas atentas às suas atitudes e compromissos de vida, sentimentos novos, até ali impensáveis, entre os quais a vontade de seguir por igual caminho.
Olhar o mundo das pessoas, com um olhar positivo como Deus o olha, acorda apelos e sentimentos de responsabilidade. Sempre foi para a Igreja um caminho de renovação, de resposta válida e de presença significativa, estar atenta e solidária com os problemas das pessoas, quer estes se traduzam em alegrias ou tristezas, vitórias ou derrotas, certezas ou dúvidas. A novidade de Deus e dos seus dons revela-se no confronto com as realidades que afectam, de modo positivo ou negativo, a vida das pessoas concretas, em cada tempo, lugar ou condição.
Quando a atitude da Igreja foi de serviço inquestionável ao mundo pela sua vida, propostas e contributos dos seus membros e das suas comunidades, estimuladas por um poder que era serviço à maneira de Cristo, ainda que minoritária, ela tornou a mensagem evangélica nas comunidades humanas com as quais coexistia, fermento de amor, reconciliação, justiça, verdade, liberdade e paz. Quando se identificou com o mundo e pensou que o ideal era que todo o mundo fosse Igreja, ela foi perdendo a força de ser luz que ilumina e sal que dá sabor. Quando entrou em competitividade com novos grupos humanos e dinamismos culturais que já não podia controlar, e os identificou, errada e apressadamente, como inimigos e concorrentes, ela caiu na tentação de ser também oposição e levantou muros que ainda hoje persistem e ganham nova virulência.
Só quando tomou consciência de que o caminho a percorrer passa por um diálogo que respeita e sabe acolher, escuta e não impõe, mais que razões intelectuais tem força de vivência pessoal e comunitária, sobretudo uma proposta do que acredita e vive do que uma linguagem seca e hermética de princípios friamente enunciados, encontrou de novo o rumo de ser um dom e um serviço a todos.
O contexto em que a Igreja viveu e educou os seus membros durante séculos não se pode apagar, nem esquecer. É um dado histórico que mostra que não é fácil, ainda hoje, percorrer um caminho com novos contornos e novas exigências, mesmo quando descoberto como o mais acertado e sintonizado com a vocação e missão da Igreja no Mundo.
A reflexão conciliar sobre as relações Igreja com o mundo contemporâneo, foi um salto qualitativo importante pela visão que trouxe e pelas exigências de conversão que comporta. Um caminho permanente e consequente que leva os membros da Igreja a um modo de ser, estar, ver e agir, ante as realidades humanas, cuja orientação, a autonomia do mundo reivindica como direito e dever seu. Podem fazer-se coisas aparentemente novas, eivadas do espírito velho que disfarça o poder em serviço. Esse não é o caminho conciliar. Igreja ao ritmo do Vaticano II, deve repensar a sua relação com o mundo.
António Marcelino, Bispo emérito de Aveiro
[Imagem: escultura em bronze nos palácios do Vaticano] fonte: Fernando Cassola Marques, Agosto 2002
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